Prosa poética
Um dia ele sentou-se na soleira e passou a matutar. Veio-lhe a saudade da pequena praia e a ponta de areia que lhe viu crescer. E da casa grande, como esquecer? Possuía muitas janelas, e foi numa daquelas janelas que ele viu passar a menina mais bonita do lugar. Sorriu pra ela e arquitetou um mundo!
Correu até uma mesinha e apanhou papel e lápis e pois-se a escrever. Se fez de poeta e escreveu versos e mais versos para conquistá-la, estava cego de amor por ela.
Muniu-se do poema e esperou ela passar. Foi numa tardinha, o mar ladrilhado pela a ardentia, elevava ainda mais seus devaneios. Enfim ela passou, e ele deixou que ela ganhasse alguns passos à sua frente. Então resoluto e com o poema já nas mãos, a acompanhou. Porém, assim como o mar muda constantemente, a tormenta do engano o abarcou numa solapada gigante. Alguém já era o dono daquele coração. Coisas de menino, mas ele levou aquilo muito a sério. Tanto que ali mesmo acometido de uma singular loucura, rasgou o poema. Picou e repicou-o cuidando para que nenhuma vírgula sobrasse. Rasgava-o com gosto de ódio, como se destruísse a própria garota. Antes estava cego de amor.
E assim sucedeu que de tanto pensar naquele passado, veio de súbito, de forma inesperada e clara, aqueles versos, tintim por tintim, mesmo depois de tanto tempo passado. Ulisses era o seu nome. Basta dizer que Ulisses já abrigava uma perene neve em sua serra e o seu caminhar era escorado. Um fausto momento ou não, ele reescreveu o poema num papel, colocou-o numa garrafa e lançou-o ao mar.
Foi na proa da tardinha distraída e vazia, em que seu peito marulhava. Enquanto a garrafa se distanciava, ele dizia gesticulando e tomado quem sabe por uma insanidade:
"" Vá! Mesmo que flutuando a meio corpo, vá! E leve esse poema pra qualquer ocidente, pra qualquer oriente! Que a cortiça esteja sempre justa pra manter intacta e hermética, tão hermética poesia!
Tilintirás talvez em cascos moribundos, em algum arrecifes arredios, mas não te detenhas, vá!
Indiferentes talvez, ou curiosos, os peixes e as aves marinhas o cortejarão. Não lhes dê trela, continue, flutue, não necessitas de bússola, nem leme, nem velame!
Segue, pois, nauseante Nautilus de cristal. Não te detenhas em círculos, ficando à mercê dessas correntes que arremessam mortais vagalhões contra os rochedos. Vá errante! E leve esse meu poema , fruto de uma ilusão, doce ilusão agora.
Sinta o frescor das cristas brancas e fervilhante desse mar! E o mar te ofertará seus frutos, tempestades e bonanças, e as águas Vivas! As algas estenderão longos tapetes verdes por sobre seixos coloridos para que solenemente tu passes.
Que os ventos sejam alvissareiros. Vá! Segue!
Mas se mesmo assim o! poesia, se todos os que a virem, ignorarem, mesmo quando a lâmina do tempo romper as jugulares que alimentam o tédio e a sangria dos baixios te lançar entre escombros numa praia de musgos, tenha a certeza querida poesia, que um Arcanjo te recolherá e curioso decifrará teus hieróglifos poéticos"".
Prosa poética –José Alberto Lopes®
SBC.28/05/2010