[O Rio das Perdas]
[... e a ponte das palavras]
Um de cada lado do abismo,
gritamos, dos respectivos barrancos,
os nossos fracos desejos,
os nossos mal vingados desejos...
Entre nós dois, correm vários rios...
Rio do Medo, Rio da Vertigem, Rio da Voragem,
Rio das Perdas, Rio das Velocidades Loucas,
Rio das Florações Cadentes, Rio das Mortes...
Nossas vivências – flores tombadas nestas
correntezas viajantes para o Nada?
Da admiração inicial nem sempre
nasce o fruto estranho do Desejo;
nem sempre salta a mola da Atração —
às vezes, nasce um quê de Espanto...
Pois, o que é a vida senão aquilo
em que se pensa o dia todo,
senão o plexo de ações em que
nos definimos e nos instituímos
como presença, um no mundo do outro?
E todos os rios, se resumem num só:
o Rio das Perdas - que, afinal, é o grande rio
de todos nós - o Rio de Todos os Nomes,
o Rio da Vida - o grande Rio do Tempo!
Desconsolo é pensar que não lançamos
uma ponte sobre este rio rumoroso;
pois, uma ponte de palavras não basta,
não basta para evitar o esquecimento,
não basta para engendrar a partilha
de experimentados segredos...
[À sequidade do Silêncio,
e ao Grande Rio das Perdas,
o preito humilde da Palavra]
[Penas do Desterro, 26 de maio de 2010]