SINFONIA DO SILÊNCIO

“O silêncio de Deus é a mais estupenda das sinfonias do universo” (Humberto Rhoden).

Desde cedo acostumei-me à leitura. Criança ainda, fui levada a ajudar meus pais em um comércio que possuíam no mercado do qual dependíamos financeiramente. Minha mãe comprava revistas e jornais velhos, que eram utilizados para embrulhos diversos, mas nenhum exemplar das revistas “O Cruzeiro” ou “Machete” eram rasgados antes que eu as tivesse lido. Às vezes, no meio da papelada vinham alguns livros, que eram arrebanhados por mim e trocados por outros, após a leitura, nas bancas de livros usados que haviam nas feiras, hábito comum naquela época. Eu lia “de tudo”. Tanto autores nacionais como estrangeiros. Encantava-me a leitura tanto de cunho religioso, de autoconhecimento, como a literatura que criticava a sociedade, em suas várias épocas. No Brasil, desde Gregório de Matos Guerra (o “boca do inferno”) e Tomás Antônio Gonzaga, até Jorge Amado, e no exterior, apaixonei-me por Guy de Maupassant, Dostoiévski, Vitor Hugo, Saint-Éxupery, Tolstói. Tinha na faixa de 15 anos quando me deparei pela primeira vez com um livro de Humberto Rhoden, entitulado ”De alma para alma”. Um dos textos desse livro me marcou profundamente nessa época, por me fazer indagar sobre alguns aspectos da vida, que até os dias de hoje venho buscando compreender. O texto, em questão, chama-se “sinfonia do silêncio”. De início, pode-se estranhar e pensar, o que o silêncio tem a ver com uma sinfonia? Espero que o leitor tenha a resposta ao término dessa leitura. Na verdade, o referido texto, na época, me causou enorme perturbação emocional, levando-me várias vezes às lágrimas. Rhoden busca nos mostrar, uma verdade que cada um de nós já conhece, mas que custamos a aceitar: que no “sancta sanctorum” de Deus, cada um de nós há de entrar “sozinho”. No zênite de nossa existência, “todos os nossos ficarão a olhar de longe, como fizeram, no Gólgota, os amigos de Jesus”. Nesse momento estaremos sós. Em torno de nós, “deserto imenso”, “solidão absoluta”. Como suportará o silêncio, aquele que viveu no burburinho das criaturas? Como suportará a solidão aquele que nunca ficou à sós consigo mesmo? E alí, cansado, sobrecarregado, dolorido, calejado pelas labutas enfrentadas durante a jornada terrena, contaremos apenas com a bagagem que levamos, e que é transportada pela nossa própria consciência, única companhia que teremos. “É necessário que atravesses à sós o grande deserto”. Para auxiliar-nos na travessia, poderemos contar apenas com o que trazemos em nossa bagagem. De início, a areia quente queimará os nossos frágeis pés, mas, se em nossa bagagem levamos o bálsamo que derramamos sobre as criaturas, como palavras de conforto que transmitimos, isto nos aliviará; o sol escaldante, incidindo sobre nós, arrefecerá as nossas energias, nos fazendo fraquejar, mas lembraremos que trazemos em nossa bagagem, a proteção que demos àqueles que eram explorados e oprimidos e seguiremos então, sob a sombra desta; a sede fará arder a nossa garganta ressecada, mas em nossa bagagem trazemos a água cristalina produzida pelo nosso verbo, na defesa dos fracos e oprimidos, e que nos saciará; o cansaço tornará trôpego os nossos passos, fazendo com que resvalemos algumas vezes ao chão, mas em nossa bagagem trazemos a alteração de vida de várias criaturas para dias melhores, por nossa intervenção, e isto nos fará transportar mais rapidamente ao Oásis Divino, onde então, após tão árdua jornada, chegaremos. Estaremos aí, finalmente, à sós com Deus. Nesse instante, do silêncio absoluto reinante, se erguerá uma sinfonia sublime, oriunda das orações de todos aqueles corações amigos que deixamos na terra, e que por muito nos amarem, rogam por nós ao Criador. Passaremos, assim, nesse momento, a sentir a plenitude que é outorgada aos justos.