Olhos comunistas
A freqüência normal de carros chiques inicia sua obra. Entram e saem do clube a todo o momento. Um em especial chama a atenção do que observa: é um conversível mal utilizadamente escuro e nebuloso que quase.
A moça com o cachorrinho – madame recebe passagem gentil do motorista misterioso, o qual nem se pode distinguir a que gênero pertence. Ela sorri cordial, e segue com seu short curto e sua sandália de couro surrado. Ao se aproximar do ponto de ônibus da rua movimentada, acolhe em seus braços o pequeno filhote que, assustado, inicia um choro de reprovação a tantos (in) diferentes.
É a rua favorita de ambos, mas com a presença indesejável de tantos ao mesmo tempo no mesmo metro quadrado de calçada. O observador continua a olhar atento aos que passam.
A casa com teto solar mostra que o bairro é, digamos, favorecido economicamente. Ônibus passam praticamente vazios. Os muitos passantes ali estão em seus motores total flex do último ano da última leva dos últimos mais novos.
A revolta de um comunista (entediado) que observa, apenas prossegue. Alimenta-se. Faria nada física nem moralmente aos focos de seus olhares críticos. Porém, no que lhe é permitido, exercita sua indignação escrevendo, cochichando, vomitando o que lhe apraz bem (ou mal).
Ultrapassagem pela esquerda. Pressa é o que ele vê espelhada no retrovisor interno do carro em que está, nem sequer pertencente a ele.
Afinal, comunista ou não, ele observa. Ele sabe o que vê e como o vê. E suspira fundo, impotente.