Ah, por favor, me deixem!

Não queiram me falar de realidade.

Não citem o realismo se não for para falar de Ema, Luísa ou Etienne.

Não tentem calar minhas asas.

Não ousem tocar em minha alma com suas luvas sujas da tal realidade concreta.

Deixem-me com meus milhares de pontos reluzentes a povoarem minhas noites insones.

Não planejem me arrastar com suas correntes de pesados e infinitos elos que os prendem naquilo que é certo e centrado.

Parem de se preocupar tanto com a minha loucura.

Não se angustiem com a minha insanidade.

Não me atormentem com a sua felicidade.

Não me entorpeçam com seus paninhos quentes encharcados de cotidiano.

Pela minha inspiração, só entra ar puro.

Por favor, eu peço, me deixem com minhas letras.

Me deixem com meus versos.

Meus avessos.

Meus tropeços surreais.

Meus devaneios realistas.

É por eles que amo viver.

Sem metáforas não consigo encontrar realidade alguma.

Por causa delas vocês não se conformam que não ando conforme minha real idade.

Loucos são vocês

Que deixam a alma pintar-se de branco qual o passar dos anos.

E mascaram os cabelos de cores para disfarçar quantos degraus já subiram na escada.

Talvez aí mesmo resida o problema: ninguém assume a covardia de nunca ter experimentado escorregar pelo corrimão.

Ou busca disfarçar com ardor a paixão pelas coisas ilícitas.

Personagens que sustentam uma verdade inventada.

Uma mentira sustentada.

Uma inverdade realizada.

Não criam, procriam. Perpetuam o vazio irritante das suas vozes que dilaceram-se por dentro, mudas. Querem gritar, mas não encaram as palavras.

Encontram o medo.

Têm medo de gente como eu.

Mas mesmo assim elas sobem, flutuam, povoam tudo quanto é lugar.

Como o perfume que invade as narinas sem avisar, pegam carona com a fumaça.

Não têm forma nem cor.

Ajeitam-se em qualquer canto.

Cantam com o vento e instalam-se bem lá dentro sem pedir licença.

Evaporam e sobem para onde quiserem ir.

Transbordam pelas pálpebras e viram nuvens.

Quem vê os desenhos?

Transformam-se em pontos luminosos a preencher as noites daqueles que têm não só olhos para ver, mas coração para sentir as palavras libertas pelo cosmo.

Por isso podem ser tão comprometedoras...

Sigo. Com elas.