VITRAL
“Depois da fissura permanecem as árvores, os rios, os animais, as nuvens brancas no azul sem rugas. Nada parece mais velho, justamente agora que o tempo existe. Também o mar se encapelava, havia relâmpagos azuis, as árvores se descarnavam, os animais fugiam dos grandes e vorazes quando o tempo, como os homens o aprenderam, ainda não existia. E agora, nada parece mais velho”.
“Quando o paraíso deixou de existir, foi quase impossível notar seu eclipse porque o ser já estava semiconsciente de si desde os primórdios, ainda antes da grande ausência, já no pré-inaugurado mundo. No pensamento recém-vindo, entre as palavras-criança, grandes hiatos de silêncio onde a inocência ainda podia respirar, viver. Era tarde para o paraíso, cedo para a queda, quando o desejo do fruto surgiu e também a árvore do fruto. Mas, quando a árvore do fruto e o fruto surgiram plenamente diante dos olhos, Adão e Eva já há muito haviam acordado para a insaciabilidade e a dor. O desejo de saber já era conhecimento, já era conhecimento e perda aquele primeiro olhar um para o outro antes, demasiado antes da presença da árvore do fruto, e do fruto. A fissura não foi o primeiro gesto gerador do tempo nos homens. Quando da fissura, os muitos já se achavam espalhados por entre as diversas criaturas, e as diversas criaturas já eram servas. Quando da fissura, o corpo já há muito era um sobressalto, já haviam surgido as primeiras perguntas, Narciso já perdera seu rosto nas águas, assim como os deuses primevos já haviam esquecido totalmente suas próprias origens e suas próprias hipóteses”.
As mãos tremem ligeiramente sobre o imemorial pergaminho ao mesmo tempo em que o vulto lá fora, iluminado pelo vitral, se dissolve na luz da manhã. Os olhos, no rosto talhado em pedra, musgo e neve, ainda presos ao texto, nada traem nem trairão do segredo, enquanto lá fora o apenas mundo permanece, em sua invisibilidade.