O sono e a caneta da Faber Castell

Fogo que abrasa. Água ardente.

Noite de sombras luzidias.

É na madrugada que meus olhos saltam de suas órbitas, sedentos. Desobedientes.

Vagam pelo espaço.

Do outro lado do Sol procuram por alguém para bailar.

Tango é uma dança bonita.

Profana. Profunda. Por isso.

Afunda em sentimentos embriagados, abrasados pelo fogo da aguardente.

Mais vale ser razoável.

Vida rasa. Mais razão.

Menos tango e Sol durante o dia, não à noite.

Mas o sono, trancado do outro lado da parede, continua, parado.

Meus olhos não lhe dão ouvidos.

Lá na escrivaninha, papel e caneta zombam.

Não há escolha.

As palavras puxam as pálpebras pelos cílios.

Se minha mão tivesse garganta, estaria seca.

Ainda meto um processo na Faber Castell por ter inventado uma caneta tão boa para escrever.

Principalmente de madrugada, quando todos dormitam e nem se dão conta de que em algum lugar é dia.

E de que as coisas orbitam até um dia retomarem seus lugares.

Se ao menos eu tivesse coragem de mergulhar na aguardente e me entregar ao tango... quem sabe sentiria mais sono e fosse menos bêbada.

Talvez assim não beba da profundeza que entorpece mais do que a embriaguez dos sãos e sóbrios.

Boa noite, Cinderela.