[Do Arraial de Nem Ser]
Meus pés somem na aguinha ligeira,
refrescando-se no Nada de sempre;
os barrancos escuros acima de mim,
Ah... como Minas é grande,
eu nem sabia que tinha nascido
num mundão assim, tão grande.
Era grande também a esperança...
e continuo sentado no barranco
da passagem do corgo,
olhando a flor da guapeva sumir
água abaixo...
Eu sigo pensando no tempo-será,
o que vale a vida? Vale nada?
Perguntei pra a formiga, mais sábia que eu,
aliás, essa pergunta nem conta,
pois afinal, todo o mundo
é mais sábio que eu — o gavião,
o urubu, a jiboia, a acauã,
a formiga preta...
Sonho, ou vigio? Nem sei...
Mas o meu caminho é apto para assombrações...
Piso as sombras de laranjeiras mortas;
vejo os buracos de tatu abandonados
no meio da velha roça de mandioca;
sinto o frio da lua quase amarelada
de tanto não brilhar por si mesma;
escuto o rumor do trabalho das formigas
sob a macia placidez da penumbra da lua...
Eflúvios da pinga macia que desce-me
goela abaixo sem grandes questões existenciais!
E volto a contragosto de algum lugar,
sem nem me importar
se o tiú me ouviu,
se a saracura cantou certo a chuva,
se os frangos magros chegaram no ponto de corte,
se a imbaúba desta vez cai com o vento,
ou até se sobrou sal no cocho do gado manso,
sigo nos passos lentos
do meu cavalo castanho,
que por descuido do vaqueiro,
tem a ponta da orelha esquerda
prejudicada por carrapatos.
Eu me estendo sobre o mundo,
sobre as estradas desertas,
sobre as ruas vazias,
sobre o arraial de nem ser...
E não me mato só por que a formiga
que passeia na flor amarela,
ainda não se dignou a me responder:
— o que vale a vida? Travessia... e riso?
[Penas do Desterro, 11 de maio de 2010]