[Do Arraial de Nem Ser]

Meus pés somem na aguinha ligeira,

refrescando-se no Nada de sempre;

os barrancos escuros acima de mim,

Ah... como Minas é grande,

eu nem sabia que tinha nascido

num mundão assim, tão grande.

Era grande também a esperança...

e continuo sentado no barranco

da passagem do corgo,

olhando a flor da guapeva sumir

água abaixo...

Eu sigo pensando no tempo-será,

o que vale a vida? Vale nada?

Perguntei pra a formiga, mais sábia que eu,

aliás, essa pergunta nem conta,

pois afinal, todo o mundo

é mais sábio que eu — o gavião,

o urubu, a jiboia, a acauã,

a formiga preta...

Sonho, ou vigio? Nem sei...

Mas o meu caminho é apto para assombrações...

Piso as sombras de laranjeiras mortas;

vejo os buracos de tatu abandonados

no meio da velha roça de mandioca;

sinto o frio da lua quase amarelada

de tanto não brilhar por si mesma;

escuto o rumor do trabalho das formigas

sob a macia placidez da penumbra da lua...

Eflúvios da pinga macia que desce-me

goela abaixo sem grandes questões existenciais!

E volto a contragosto de algum lugar,

sem nem me importar

se o tiú me ouviu,

se a saracura cantou certo a chuva,

se os frangos magros chegaram no ponto de corte,

se a imbaúba desta vez cai com o vento,

ou até se sobrou sal no cocho do gado manso,

sigo nos passos lentos

do meu cavalo castanho,

que por descuido do vaqueiro,

tem a ponta da orelha esquerda

prejudicada por carrapatos.

Eu me estendo sobre o mundo,

sobre as estradas desertas,

sobre as ruas vazias,

sobre o arraial de nem ser...

E não me mato só por que a formiga

que passeia na flor amarela,

ainda não se dignou a me responder:

— o que vale a vida? Travessia... e riso?

[Penas do Desterro, 11 de maio de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 11/05/2010
Reeditado em 05/03/2011
Código do texto: T2251536
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.