Dias de mães

Dia das mães não é um só dia.

São todos os dias, desde que o útero começa a abrigar o feto e daí pra sempre, porque nem mesmo a morte elimina ou anula ou invalida a mãe. Ela continua o sendo, na memória e no coração dos filhos, dos netos e bisnetos. A partir de então, a mãe apenas desbota, mas não se esgota.

Ah, se esgota sim, na canseira e trabalheira que é criar um filho, dois, três, seis, doze... Noite e dia alternando-se em preocupações, aflições, estremeções e alegrias, prazeres, encantamentos e novamente em apreensões, repreensões, amolações e subitamente realizações, orgulho e tsunamis de ternura derramada.

Todo dia é um bom dia pra mãe errar e acertar, pra se fazer presente e pra se afastar estrategicamente, pra se angustiar e pra se deliciar, pra lembrar que é mulher e filha e irmã e amiga e profissional além de ser mãe, depois se esquecer de tudo isso e voltar a ser mãe em tempo integral, umas tiranas, outras ausentes, outras ainda irresponsáveis, muitas frouxas, mas muitas, muitas, quase todas amorosas, dedicadas, bem intencionadas, a maioria capaz de um amor incondicional como só se vê num cachorro em relação ao seu dono, daí as mães com seu amor canino, fiel, perene, constante, permanente, imorredouro, protetor, ainda que nem sempre saibam ou tenham jeito pra demonstrar devidamente.

Então muitas mães transferem o gesto de puro carinho pro ato de alimentar e nutrir, dando um prato de comida quando querem mesmo dizer "eu te amo", ou dizendo pro filho "leve o casaco!" quando querem mesmo dizer "eu me importo com a sua felicidade e saúde porque eu te amo", ou dizendo pro filho "você é um ingrato egoísta!" porque ele não ouviu realmente o que ela quis dizer com todos estes gestos metafóricos e inconscientes e tortuosos que só queriam dizer "eu te amo".

Pra minha mãe, pelo menos, que tem sido mãe e pai ao mesmo tempo e por tanto tempo, desde que o meu pai perdeu a luta contra uma doença e se foi tão cedo, todos os dias são dela, seja quando a levo pra uma consulta ou exame de praxe, seja quando a alugo durante o almoço com a minha incorrigível verborragia, seja quando ela faz a pequena prece acompanhada com os repetidos e pequenos sinais-da-cruz com o polegar da mão direita sobre a minha testa, que depois ela beija (olha aí de onde vem essa minha mania de beijo na testa!) e então eu beijo a dela, seja quando ela comenta os meus textos sem fazer concessões e assim prefiro, seja quando ela me socorre nos meus sufocos ocasionais, seja quando eu a socorro nos sufocos ocasionais dela, seja quando ela me conta os causos da sua infância, de seus irmãos, de sua própria mãe, minha saudosa avó, seja quando ela me repassa e-mails com mensagens edificantes ou com piadas interessantes, seja quando ela me dá broncas muito zangada porque aprontei alguma, seja quando ela me faz aqueles elogios meio atravessados e comedidos, como quem não quer encher demais a bola pra que a filha não sofra quando esta vier a murchar, seja quando ela prepara a "marmita" com alguma iguaria que sabe ser do meu gosto pra que eu traga pro jantar, seja quando ela vem com os ditos chistosos e ela mesma cai na risada -- uma risada boa, muda, a boca toda estirada mostrando os dentes e fechando os olhos --, seja quando ela me olha com ternura quando conto algum pequeno ou grande sucesso, quando relato meus encontros com velhos amigos ou quando ela reparte essa mesma ternura do olhar com as outras filhas, netos e bisneto, com os cachorros das filhas, com os genros, esse mesmo olhar que sabe ser duro de vez em quando, mas nunca, jamais é mau, é sempre bom, até quando endurece injustamente, sob meu ponto de vista, porque sobretudo ela é humana e, como humana, não é perfeita, mas é minha mãe, a quem eu amo muito e a quem eu sou muitíssimo grata e com quem aprendi (assim como com meu falecido pai) as noções de ética, justiça, educação e civilidade que trago comigo até hoje.

Portanto, nada de "feliz dia das mães".

E sim feliz, na medida do possível, dias de mães. Pra minha e pra todas vocês, mães.

Um beijo em cada testa. Mas o beijo na testa da minha mãe há de ser o mais especial, viu? Fica boa logo. :)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 09/05/2010
Reeditado em 09/05/2010
Código do texto: T2246109
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