Bomba Relógio

Pelo caminho, fazia interrupções consecutivas mas sem linearidade pois havia grande necessidade de expurgar a literalidade que latejava em seu corpo como uma bomba-relógio prestes a explodir.

Era como se a cada metro que percorresse o ponteiro dos segundos o levasse para mais perto de onde sempre quis estar desde aquele decisivo momento ocorrido há algumas horas.

Haviam as paradas. Ah, o que não daria para transformar todo aquele gelo cerebral que corrompia seu corpo a estacar tão logo começasse a sentí-lo em uma força tão indissolúvel quanto capaz de fazê-lo percorrer a mesma distância que seu sangue andara por seus dois metros de altura nos últimos dezenove anos? Não estava interessado em descobrir o porquê de tais frustrantes e intermitentes refreações, uma vez que já se achava ás voltas com seu desatino irrevogável e completamente irreversível. O que desejava era livrar-se daquela tormenta, daquele inferno interior, daquele caos, do espiral de pavor e horror no qual entrara ao enxergar a si mesmo no espelho de onde selara sua sorte. Não conseguia aguentar, simplesmente suportar o peso de conviver consigo dali por diante e não sabia, nem mesmo fazia uma vaga ideia, das razões pelas quais não conseguia fingir que tudo aquilo não existia sendo que, naquele lúgubre raiar, isso fora possível. Quais as mudanças? Por que essa reflexão agora? Que necessidade voraz e cruel era essa de ter, a todo maldito momento, o mísero e condenado pen....sa...men...to martelando tão profundamente? Isso não existira até então...Não desde que se convencera de todas as maneiras imagináveis de que a decisão já havia sido tomada, mesmo antes de sua vontade ser expressada, levada em conta.

Mas o fato é que, agora, também não adiantava alimentar todos esses freios causados por um cérebro que já agia muito mais por si do que por ele com pensamentos que não o conduziriam á solução da batalha cuja perda poderia resultar no encerramento de sua história. Sentia que o peito se enchia tanto quanto as glândulas de uma cobra solenóglifa prestes a dar o seu golpe fatal. Sentia suas glândulas se dilatarem como se dilata um tecido epiderme ao ser picado por dezenas de abelhas. E os segundos em que parava, bloqueado pela ação da racionalidade, se transformavam em imagens dos seus anos já distantes que se revelavam em velocidade inexorável, como acontece aos que conhecem, então, a finitude próxima de seu tempo, de sua bomba-relógio.

Enfim, era isso! Descobriu as respostas todas de uma vez pois elas estavam ali conectadas á sua bomba que agora já não mais existe.

Garcia Márquez
Enviado por Garcia Márquez em 04/05/2010
Código do texto: T2237811
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