[A Escura Garganta do Medo]
Vivo com o ódio, já me acostumei a ele,
nunca peço, nunca pedi nada a ninguém,
comi o pão que o diabo amassou com o rabo,
aguentei o mal que veio na minha direção.
Hoje vejo: se o outro vem na minha direção,
p’ra boa coisa é que não é!
Sinto até falta quando o dia é plano,
o ódio me faz mais bem que mal,
só conheço a vida com a faca entre os dentes,
mesmo jeito que eu fazia, sou tresjeitado,
quando nadava em águas fundas, escuras,
o canal dos homens mortos do Rio Paranaíba.
Será que quem gosta de mim erra o rumo do gostar?
A minha alma tremula fraca, fraquinha mesmo
lá no fundo da garganta escura do medo
— só doido varrido é que desconhece o medo —
lá do fundo daquela garganta escura, tenebrosa,
eu agito, mão fraca, ideia perdida no longe,
uma lanterna morrente — alma que não tenho?
e eu tenho alma? Tenho? Tenho nada,
tenho mesmo é só estradas que me viajam,
botes de cascavel, peçonha dos diabos...
O meu passado rói, sem cessar, o meu presente,
quem estava na minha vida ontem, vai estar,
mesmo sem que eu querer, no meu amanhã,
mortos viajam comigo, falam comigo, entram
nos meus sonhos, vivem enquanto eu vivo...
Vaqueiro João Bina chega de noite, sacode a capa,
entra no salão da fazenda, distribui balinhas doces;
ah, mas se eu soubesse que ele ia deixar
o campeão Gaiolão morrer no tronco,
eu cortava o pescoço dele naquela noite mesmo!
E se fosse para ser claro, eu nascia era morto,
prefiro deixar meus silêncios raivosos dançar
nos meus olhos castanhos — mistério é o quê?
O ódio dura... dura... e dura.
... é o que estou dizendo: a gente gosta do ódio,
o ódio é vermelho, é vivo... queima! A paz é chata,
é azul, e nem serve pra estimular criatividade nenhuma.
Quem é que quer paz? Quem?
Da escura garganta do medo também
vem o comando da coragem... ou não?
[Penas do Desterro, 02 de maio de 2010]