Confissões de um Vaso de Barro

Barro, apenas barro, sem nenhum valor em mim mesmo. Minha essência é essa e sempre será. Demorei muito para entender isso e assim, durante um longo tempo me iludi.

Pouco a pouco fui sendo colorido e bem desenhado, até me deparar mergulhado nas cores de um orgulho mau tratado, mas ainda assim, expressando uma beleza que agradava aos olhos de quem me via.

Até mesmo ornamentos e adereços eu recebi, entalhados sorrateiramente em meus detalhes. O ouro e a prata me deixaram tão brilhantes quanto vaidoso e a ganância me alcançou. Percebi que aos poucos meu formato havia mudado me tornando autêntico em minha ambição, inusitado e exuberante, tanto que, já não podia mais ser contado com os demais que antes eram meus semelhantes e de fato consegui alcançar a mais bela vitrine.

Meus sonhos se realizaram quando finalmente fui colocado na prateleira mais alta de minha comunidade. Ali sim, eu poderia ser notado e admirado por todos, mesmo que a maioria não pudesse entender o meu vazio, nem conhecer a minha verdadeira essência por mim esquecida. Mas algo estava para acontecer e eu não imaginava que havia um olhar entre muitos outros que não me daria nenhum elogio, pois via meu interior, muito além dessa minha estrutura fictícia.

Um olhar Profundo. Incendiado e terrível, que penetrou na divisão entre toda aquela casca ornamentada, para mim tão gloriosa e minha verdadeira essência abandonada, trazendo a tona frustrações que nem mesmo eu sabia que tinha sido implantada durante minha jornada egoísta.

Não pude resistir a aquele olhar. Tremendo me projetei ao chão me prostrando em meio aos cacos de uma existência improdutiva.

O Dono do olhar veio em minha direção e começou a me juntar, pedaço por pedaço. Foi retirando tudo o que não era barro, me limpando de todo o resto. Estranhamente percebi que Seu olhar antes de decepção e ira, aos poucos começou a dar lugar a um olhar tão amoroso que me senti constrangido e pude então entender que o Dono daquele olhar era o próprio Oleiro que havia me criado.

Todo esse processo tem sido muito difícil e doloroso, mas é preciso passar por ele. Hoje estou aqui, recém moldado no forno que é aquecido pelo coração do Oleiro.

Creio que em breve estarei novamente pronto para ser usado. Estou muito feliz, pois o Oleiro me disse que se eu permanecer em minha essência rústica e sem valor, Ele me encherá de sua essência e assim poderei expressar toda a habilidade e o amor das mãos daquele que me criou.

Barro, apenas barro, é isso o que sou e não posso me esquecer jamais que a única honra e glória pertencem ao Oleiro.

Saulo David
Enviado por Saulo David em 29/04/2010
Reeditado em 18/05/2010
Código do texto: T2226590
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