PAGODE NO BOTECO

O bandolim é uma lua cheia em fuga, que ganhou braço e cordas. Os dedos sobre ela produzem a estridente voz da solitude, domando centauros que perderam suas lanças e ganharam cavilhas. O violão é uma senhora gorda que gosta de ser bolinada e canta. O cavaquinho é um violão que se esqueceu de crescer. O surdo só não ouve porque perdeu o grito, de nascença. O tamborim é um careca que gosta de bater palmas. O agê é uma coroa girando na cabeça de um rei negro. O chocalho é uma lata de arroz que não foi cozido. O pandeiro é uma pizza com orelhas, metida a besta. Bebuns, dependurados, pingam no balcão. Mulher mesmo, só a música – nua – no ar. E que ninguém se meta a esconder o microfone. Vai pagar o pato – assado ou cozido. O pagode, enfim, é o gato e o rato – de mãos dadas. Alguns miam e remexem o rabo. E haja bafo de tigre louco na boca dos pagodeiros. A balada nunca termina enquanto houver som, ceva e pinga, para o desespero dos vizinhos. Em casa, o artista do bole-bole sabe que há um tamanco atrás da porta esperando a sua chegada... Alguém ladra neste inferno de sons e ritmos. A titular não admite competição. Nem mesmo o amor à música. Todos, enfim, psicopatam-se dando letras e gestos, no palco das ilusões.

– Do livro O AMAR É FÓSFORO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/2210213