[Aonde Vais, Carlos?]
Lá vai o Carlos... ignora-me, e toma boa distância de mim. Espantado, olho-me seguindo por ruas onde sempre passei, sem pensar, sem cuidar que fossem tão longas, eu apenas caminhava por ali, por um direito natural meu - eu construía, já não construo mais, o meu mundo! Lá vai o Carlos, e, a julgar pelas costas curvadas, carrega o meu mundo...
Olho-me... e torno a olhar; uso roupas que desconheço, não a camisa branca de sempre, mas amarela... ou, amarelada, da cor do pelo do cão do meu pai! Calço sapatos que nunca usei, bico redondo, tipo testa-de-touro, bem antigos, tão antigos que fazem parte da minha coleção infantil de imagens. Um modelo tirado do meu Almanaque do Tico-Tico... será?
Vejo-me passando bem devagar por uma moita de alamandas - por que as flores amarelas me encantam? Gosto de ver o sol explodir a sua luz intensa nessas flores, gosto de ver o contraste das formiguinhas pretas que percorrem a amarelura das flores. Nunca me canso das flores amarelas. Nesse ponto, eu e ele, o que caminha, temos algo em comum; gostamos das mesmas flores - ainda!
Eu caminho lá... a minha figura se arrasta com dificuldade, vai se desvanecendo lentamente, feito a ação do tempo sobre uma fotografia, mas - estranha mágica! — a foto envelhece assim, num segundo! E ele nem dá por isto, não o comovem as velhas fotos de si mesmo.
Estou à distância de Carlos; aceno, chamo-o, tento gritar, e o grito não sai; torno a chamar em voz mais baixa, mas ele não me atende, parece que só escuta o ruído dos seus passos. E segue. Vai dobrar a esquina da Rua da Estação — busca saídas... para onde?
Aonde vais, Carlos, aonde? Nesta hora tardia, de tanto contemplar e temer o poente, perdeste o norte. Essência - é agora uma palavra estranha... Ou não, ou será exatamente o contrário, e agora sim, chegas à essência última das coisas? Já não tens ilusões — mas caminhas ainda — por quê? Aonde vais, Carlos? Aonde?
[Ser conexivo não é a minha profissão de agora]
[Penas do Desterro, 02h00 de 20 de abril de 2010]