Urdidura

A morte está presente em nosso cotidiano, a partir do momento da constatação da abertura dos nossos cílios filtrando a luz de um novo amanhecer. Por vezes nos prega peças por mais cuidadosos que sejamos no drible de sua abordagem.

Hoje, caminhava, tranqüilamente, pelas ruas que me levam ao trabalho. O caminho não é longo, mas há trafego intenso. Redobrado o cuidado nas travessias, ao trocar de calçada, bati de frente com uma funerária que transportava um corpo para preparo em suas instalações. A alguns quarteirões dali encontrei outra situação semelhante e mais real ainda. Presenciei uma mulher, que trabalhava como gari, efetuando a limpeza da rua por onde eu passava, tombar ao chão num mal súbito que a levou a óbito. Fui percebendo como nossa existência é efêmera...

Senti um aperto no peito ao ver o desenrolar daquela cena que não tinha nada a ver comigo e, ao mesmo tempo, mexia no meu mais íntimo recôndito. Vi-me naquele corpo que era transportado na maca, no rosto dos para-médicos que nada podiam fazer, na compaixão dos transeuntes, no silêncio da sirene do socorro...

Segui meu trajeto em silêncio até nos pensamentos para não despertar sentimentos contraditórios que assolavam meu ser naquela hora. E, depois de muito tempo, sentada sobre a minha cadeira pude novamente resgatá-los como se nada houvesse interrompido. Experimentei a dor em saber que, aquelas situações presenciadas por mim, poderiam ser realmente minhas e, que agonia provocaria nas pessoas que nos amam ao tomarem conhecimento daquele fato. Do desespero dos filhos, marido, irmãos, amigos...

Até neste instante em que aqui registro o acontecido, sinto o entorpecimento da minha alma, e o que me desespera é ter a consciência que também poderia acontecer com as pessoas que mais amo neste mundo. Por mais que a morte seja uma certeza e um fato natural no decorrer de nossa permanência aqui no planeta, assusta-me! Tudo o que aconteceu neste dia me leva a reflexão do ser ou não ser. O que vale a pena fazer para melhorar a minha vida e a daqueles que amo? Confesso, o medo ressurgiu em mim com força brutal, qual tormentas, ou qualquer outro fenômeno desta natureza...

bette vittorino
Enviado por bette vittorino em 19/08/2006
Código do texto: T220567
Classificação de conteúdo: seguro