Meu reflexo não sou eu.

Há quanto tempo não reconheço o homem do espelho. Eu tenho me exibido para ele tentando mostrar meus sentimentos. Ele, sempre insensível, retribui com umas caretas sem graça alguma. Já não sei mais o que faço com meu reflexo. Será que todos me vêem como se eu fosse ele? Não posso acreditar que ninguém entenda minha fisionomia. Estou sempre cansado, com olheiras, cheio de sentimentos. Mas os outros sempre dizem: "Como você é bonito!" e riem das minhas piadas. E esse hoje tende a durar para sempre. Ninguém tem a sensibilidade de dizer: "Que cara horrível! O que você tem? Conte-me os seus problemas..."

Há quanto tempo já não sou mais o homem do espelho. Acho que nunca fui. Fui, sim, a criança do espelho. Mas deixei de sê-la quando descobri que minha língua a mostra não combinava com meu olhar cavado. Era tão bom quando eu não desconfiava de mim mesmo. Sempre que eu via um menino do outro lado da rua olhando para mim, eu sabia imediatamente que era eu mesmo num espelho. Hoje, demoro horas até descobrir que aquele homem esquisito, que sempre olha para mim quando olho para ele, sou eu. E sempre me assusto. Logo depois fico com vergonha de mim mesmo.

Antes, eu reconhecia o que eu mesmo já tinha escrito anos antes em algum caderno. O que escrevia, por mais que não fosse uma expressão pura de mim, não sendo mais que um exercício ordenado por um professor, sempre parecia ter sido escrito no presente em que eu estivera. Hoje, não sou capaz de saber que fui eu mesmo quem anotou alguns pensamentos se não estiver com meu nome no final.

Será sempre assim? Será que nunca mais serei capaz de me reconhecer? Isso porque eu mudo muito, porque sou um farsante, porque tenho pouca memória, etc?

O que eu mais quero é ser sempre o mesmo ao menos interiormente.

Gabriel Dorio
Enviado por Gabriel Dorio em 01/04/2010
Reeditado em 17/09/2015
Código do texto: T2171378
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