O poema inexistente

[leia este poema como se estivesse incomodado, com dor de estômago: com cálculos cardíacos.]

Aperta a porta contra o dedo.

(grito) [experimente gritar nesse momento, de modo a tornar a experiência o menos agradável possível]

Não, isto não é um poema. Não é prosa, não tem verso, não versa sobre nada.

Não fala de amor. Aliás não fale sobre

[interrompa esta parte e se retire da sala, indignado com a baixa do dólar]

não fala sobre nada que agrade aos

Eu já disse que este poema não fala de amor.

Entretanto, às vezes me sinto como que meio assim-assado

[interrompa e prefira o poeta cozido, ao molho de prosa e peça vinho de sua preferência. Tempere o poeta a gosto. Coma-o]

Tipo uma sensação de desgosto com o tempo, com o bater da porta contra o dedo, a dor. (pausa longa desnecessária)

Agora sim, estávamos na parte onde digo que o poema não fala de amor

Não fala de amoras

Não fala de amares

Não fala de pares.

Este é um poema ímpar, solitário, imparcial, singular, único, abandonado, como um velho ranzinza que não tem com quem comentar o gosto das panquecas da manhã azeda. [interprete esse momento como o momento em que o leitor segura a mão de sua companhia e espera pelo desenlace final]

Mas não há.

Porque esse poema não fala de amor.

Esse poema não é um poema.

Esse poema não quer existir.

Não há poesia na borra de café, no jornal, no asfalto, nos três dígitos das linhas de ônibus. Não é poema o escritório, a porta a janela

(...)a queda.

[faça barulho, como uma sacola de compras em queda vertiginosa contra o chão amargo de uma manhã de domingo.]

[vá embora, pela porta que antecede o desgosto]

este poema acabou.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 01/04/2010
Reeditado em 01/04/2010
Código do texto: T2170723
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