O poema inexistente
[leia este poema como se estivesse incomodado, com dor de estômago: com cálculos cardíacos.]
Aperta a porta contra o dedo.
(grito) [experimente gritar nesse momento, de modo a tornar a experiência o menos agradável possível]
Não, isto não é um poema. Não é prosa, não tem verso, não versa sobre nada.
Não fala de amor. Aliás não fale sobre
[interrompa esta parte e se retire da sala, indignado com a baixa do dólar]
não fala sobre nada que agrade aos
Eu já disse que este poema não fala de amor.
Entretanto, às vezes me sinto como que meio assim-assado
[interrompa e prefira o poeta cozido, ao molho de prosa e peça vinho de sua preferência. Tempere o poeta a gosto. Coma-o]
Tipo uma sensação de desgosto com o tempo, com o bater da porta contra o dedo, a dor. (pausa longa desnecessária)
Agora sim, estávamos na parte onde digo que o poema não fala de amor
Não fala de amoras
Não fala de amares
Não fala de pares.
Este é um poema ímpar, solitário, imparcial, singular, único, abandonado, como um velho ranzinza que não tem com quem comentar o gosto das panquecas da manhã azeda. [interprete esse momento como o momento em que o leitor segura a mão de sua companhia e espera pelo desenlace final]
Mas não há.
Porque esse poema não fala de amor.
Esse poema não é um poema.
Esse poema não quer existir.
Não há poesia na borra de café, no jornal, no asfalto, nos três dígitos das linhas de ônibus. Não é poema o escritório, a porta a janela
(...)a queda.
[faça barulho, como uma sacola de compras em queda vertiginosa contra o chão amargo de uma manhã de domingo.]
[vá embora, pela porta que antecede o desgosto]
este poema acabou.