[Labirinto Vermelho]

Dou-me por bem avisado por uma poeta experiente e sensível: estamos em tempo de leitura em elevador - tentarei ser breve; assim, posso projetar-lhes 5 minutos de leitura, posso? Eu sou simples, nada exijo, é um relato de nada...

Dado o limite quase hipocondríaco em que me acho, não sei se estou em condições enfrentar o tema que me assola a mente neste instante. Não é de agora, mas sim, de anteontem que, rebatido feito pedra lisa que sapeia n'água, retornei ao "Viejo Brujo", Borges e os seus labirintos -

"Eu sei de um labirinto grego que é um linha única, reta.

Nesta linha perderam-se tantos filósofos que bem pode

perder-se um mero detetive". [Ficções - A Bússola"]

Pronto - um labirinto em linha reta! - feito o jogo do "Viejo Brujo"! Faz tempo que aquela reta me perturba, e vem não sei de quando, mas sei de certeza que ela surgiu-me no visor bem antes do tempo em que eu, recostado na solidão de ermos anoitecentes, e sentado ao pé da cachoeira da usina abandonada do Ribeirão Sta. Maria, ouvia vozes, aquelas, sem corpos emissores...

Por simples projeção - se me conhecem, já adivinharam - aquela reta no espaço da minha mente, rebate-se toda, num mágico plano de Minas. Se me entendem, apesar de ser um cientista, é por "magia" (fuga do real) e "simpatia" (sendo um com o objeto reinante) que resolvo algumas questões.

De volta a Minas. Diante dos meus olhos, e como um desafio para as minhas pernas cansadas, lá está a reta: é uma estrada acascalhada de tapiocanga vermelha, ladeada por barrancos altos, de cor acinzentada. Nos dois lados da estrada, altos, altíssimos, eucaliptos cujos troncos balançam lentamente ao vento, deixando-me tonto, tonto de tanto os contemplar da raiz até a copa.

Eu caminhava - transtemporalizo - caminho... inebriado pelo balsâmico olor dos eucaliptos, piso os galhinhos secos caídos no leito apisoado da estrada. Formigueiros irrompem do leito duro e seco da tapiocanga compactada. Há pouca ou nenhuma vida sob eucaliptos, nada exceto os montículos vermelhos de onde vejo saírem as formigas cortadeiras. Nada, ninguém - nunca, ou quase nunca, transita algum veículo por ali. Num dia típico, talvez passe um cavaleiro ou dois, ou algum animal errante, daí, a operosa tranquilidade das formigas.

Mas hoje, passo eu, a pé. E dali, do leito duro da estrada, antes de chegar a Casa Grande de fachada "italiana", desgarro-me do real, embora eu saiba que por ali, de real mesmo, passou o enterro de meu pai, vindo lá da Casa Grande, acompanhado do seu cão amarelado que nunca mais foi visto. Vejo o céu azul, azul por entre as copas dos eucaliptos, só os pontos negros dos urubus viajadores quebrando a monotonia da visão. E caminho, caminho nesta reta vermelha, infinita, infinita, rumo ao poente que a Casa Grande não basta para esconder.

Agora, vindas de outra visão fantástica, surgem longe, longe no topo da estrada, agora transfigurada em sangue pela rasante luz do poente, aquelas três rochas esfarelentas. São enormes matacões de tapiocanga que rolam estrada abaixo, na minha direção, e posso senti-las ganhando mais e mais velocidade. Na luz rasante que se funde com a tapiocanga vermelha, conjumino poças de sangue a cada impacto das pedras no leito da estrada. Com pouco, estas rochas me alcançarão, não terei como fugir, pois os barrancos são muito íngremes, e se eu tentar correr ladeira abaixo, elas certamente me alcançarão.

É claro: juntei dois sonhos, emendei a ponta de um na ponta do outro - que mal há nisto? Nunca achei a saída dessa reta de tapiocanga vermelha. Como eu [ainda] descreio do Inconsciente, eu tentei, e tento, várias, várias saídas; quando cuido que não, recaio na reta vermelha, essa sim, o Grande Labirinto que nunca, nunca me leva àquela Casa Grande de fachada italiana que vejo lá no topo, quase sumindo...

Ah... e quando aquelas rochas me alcançarem... bem, o meu enterro seguirá pelo caminho que meu pai, filho do imigrante italiano, percorreu... em vida, e na morte. O "Viejo Brujo" dá uma pista... a Morte teria, tem a bússola? Será? Então, só resta tocar mais uma vez "Por Una Cabeza", e perguntar com Gardel: "para que vivir?"

[Penas do Desterro, 0h10 de 29 de março de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 29/03/2010
Reeditado em 10/04/2012
Código do texto: T2164871
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