Correnteza

Deixe-me ir, em busca do que não corre, salta; e do que nem teme, nem encara. Que houve uma alegria espumante enquanto fingi que vivia, mas que agora para de borbulhar em mim, como se eu não fosse mais a taça de champanhe que antes fora. E estupefaz-me como as brumas se dissolvem sem mais nem menos, antes de o sol aparecer, efetivamente.

A verdade é que minha vida tem sido uma procrastinação eterna; onde eu finjo que nada dura, quando na verdade nada ocorre. É como se eu estivesse sempre contemplando a vida dos outros, observando seus desenvolvimentos, suas nuances; esperando alguma coisa sair errada para desdenhar – isso nunca acontece comigo, eu digo.

Passe a viver então, alguém poderia me responder, mas não respondem, porque não ligam, ou não sabem.

Insisto, portanto, em ir-me agora, se ainda restam algumas gotas de coragem que me permitam uma realização, ainda que pequena, como encarar os olhos de alguém e falar com sinceridade; ir em busca não do cheio, mas do repleto, do conurbado. Ir em busca da complexidade.

Sinto-me um vácuo; mas sentir-se vazio não é o mesmo que ser vazio. É mais como não ter sido descoberto. Sinto-me assim, oculto, desinencial. Não como se ninguém me visse, mas como se ninguém realmente me soubesse.

Devo ir em busca de ventos, deixe-me ir! Para sentir soprar na minha pele uma brisa que me refresque, uma vez. Devo permitir-me o sentido e o prazer. Não sou mais ou menos humano que uma pedra. Nem vocês.

Mas vocês me encerram e sufocam, como uma cela, como um aquário. Enquanto eu me transbordo, não há onde guardar meus excedentes, e perco pedaços e sentidos. Perco partes de mim.

Sem problemas, aí que eu noto que não há ninguém que não me deixe ir; não porque haja liberdade, acima de tudo, mas porque, no fundo, não há ninguém mesmo.

E essa solidão espreita sob a minha cama, atrás da minha porta, cada vez que eu apago a luz. É como um câncer irremediável, como uma sombra agarrada a mim, pregada em mim.

Talvez seja ela, a solidão, a interlocutora.

Deixe-me ir, há quem chame em algum lugar. Deixe-me ir, há uma espera eterna me aguardando.

Joao L Terrezo
Enviado por Joao L Terrezo em 28/03/2010
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