Não sei e nunca saberei _ só depois de acontecer.

Como dizia Lispector, nossa Clarice, "não há começo nem fim". Sinto o que ela diz como _ não sabemos do instante seguinte. Enquanto escrevo, o que escrevo, é outro instante. O texto abaixo será sempre modificado. São momentos que vivo/vivi _ que passam, sem começo ou fim.

Nunca sei e nunca saberei a última vez:

Nosso último almoço na casa de D. e LM. LM fez Sardinha à Portuguesa, com o maior requinte, preparada pelo dono da casa. Ele cozinhava, curtia a vida, gostava de bom vinho, de comer comidas requintadas, de se cercar de amigos. Apaixonados por ele, alegre e malicioso.

A última vez da empregada de dois anos, aqui em casa, acabou de sair e me deixou um recado _ caso precise dela estará livre _ quinta, sexta, sábado e domingo. Apesar dos desencontros torço por ela, lhe falei. Mas preciso de um (bom) tempo para voltar a precisar dela. Tivemos um (mau) tempo. Fico feliz do vir a ser precisar dela.

A última vez de usar um vestido, imaginando duraria outros mil anos!:

Gostava tanto daquele vestido! Me sentia linda nele. Seda pura. Vesti o vestido em uma ocasião especial. Parecia mágico, me deixava linda. Depois de vesti-lo percebi um rasgo. Mandei concertar. Tenho mania de concertar. Não adiantou. Dias depois percebi o vestido inteiro podre. Vai virar "Atrarvessador". *

*(Consultar "Atravessadores" aqui no Recanto)

A última vez de olhar seus olhos azuis e seus cabelos, agora brancos.

* Gostei muito de vê-lo com cabelos brancos. A última vez que o encontarra, há tempos atrás, eles estavam tintos...

A última vez de escutar seu riso.

A última vez de morar em cada um dos lugares onde morei. *

* É engraçado. Está acontecendo justo agora.

Quando vamos nos mudar para outro lugar, e ainda não mudamos, muitas vezes sinto a sensação de morar em "dois" lugares.

O último dia de viver a vida nunca saberei, a não ser depois.

E quem sabe por que, ou se saberei?