[Eu Invento a Solidão]
[Ah, não, outro escrito ímpar, baixado do meu nada para aqui, para esta telinha!? Quando é que vou me emendar?!].
... e não me venha com psicologizações tergiversativas: morte, morte mesmo, aquela mete medo em todo vivente, é uma só — é ímpar!
Arroto de urubu pousado num galho seco de eucalipto bem podia ser mal-estar causado por ele ter comido nacos de carnes de algum arrogante...
Tatu gostava de furar buracos ao longo do muro do cemitério... será para quê... eu detestava ver os vaqueiros fazendo farofa de tatu!
O terreno, terra vermelha de manchar a pele da gente, ficava no descampado de um alto, e era suavemente escorrido pras bandas da rua de terra. Ali, a lavourinha de mandioca de vender na cidade crescia bonita, viçosa... era cada mandioca graúda, boa de cozinhar... e a divisa do fundo, era o murão escalavrado do cemitério... único lugar, lugar ímpar mesmo, lugar onde a vaidade vem dormir, sem querer! Na minha obssessão, eu fazia as contas: se cada defunto plantado valia um número ímpar de mandiocas...
Queria ver de novo o meu gato preto Caipora, filho da minha gata malhada Vozu, deitado na calçadinha do quintal, limpando — longas lambidas... — a sua [única] pata direita, ao sol daquelas manhãs nascentes em mim... queria sim!
Meu olhar cavouca as coisas desparceiradas, as coisas em números impares - para atestar, eu compro cinco ou treze ovos, como três ou cinco bananas.
Sou pensativo... para ter valor de ganho, a última minha garfada deve de ser ímpar...
... e eu espero e tenho fé que o meu coração não haverá de me decepcionar: a última batida completará um total... ímpar, ímpar, viu coração bobo?!
No jogo de par ou ímpar: eu sempre escolho ímpar, ou então, não jogo!
Eu digo: espinho bom mesmo de doer, é espinho ímpar, solteiro; aquele que faz um só montinho vermelho na carne da gente... Nem imagino como seria se eu tivesse de sofrer espinhos aos pares! O amor é assim, espinho uno, único...
Até sofrimento tem grau comparativo: a gente tem sempre um que é mais que os outros — é impar!
Quando eu vim de Minas, vim só, vim único na vida. Quando me voltarem para lá, serei uma poeira fina espalhada numa invernada. Aí então, sabe, aí então serei vário mesmo, serei partículas nos olhos das coisas vivas...
Olha só: na verdade, sou eu — lugar único de cruzamento de aconteceres — eu mesmo que invento a solidão!
[Se alguém leu até aqui, já deve ter concluído que perdeu tempo... e para mim, ó, arroto de urubu para o tempo dos outros!]
[Penas do Desterro, 26 de março de 2010]