A lágrima
Quisera ser como as gotas humanas que nascem de um pequeno soluço incontido. Felizes as que marejam instantâneas, que caem fugazes dos olhos para o nada. Felizes as que saem, breves, volumosas, intempestivas, derramadas ao rosto num último caminho como parte de um todo. Felizes as que caem intocadas e percorrem a alegria ou a tristeza como um símbolo de vitória ou fracasso. Tornam-se célebres, descem perfeitas, brilhantes e cristalinas mas nem sempre carregam verdade.
Felizes as que conseguem sair, em livre trânsito com a alma do mundo, onde a beleza é contagiante. Doces matizes de sonho e realidade, sensibilidade e perfume de rosas tão exato que se possa tocar. Encanto de pétalas que se fundem depois da chuva, gotas miúdas que reinam sobranceiras e hemisféricas sobre o carmim como as lágrimas que se estancam do alto do corpo para o último adeus.
E pulam as ligeiras, num piscar úmido de olhos. Pulam dos corações fartos, que vêem rosa da vida. Pulam da fineza da garoa, da poesia à boca solta, da estrofe espontânea, do verso sem sentido, do poeta que o mundo toca. Pulam da volta por cima, da vergonha na cara, do silêncio, da solidão acompanhada. Pulam das pazes, do encontro, da mágoa ardida, do sonho acabado, da dor da partida. Pulam da glória ou da queda, do trágico; mas sobretudo da pureza. E pulam da escassez ou da abastança, mas pulam apenas dos olhos de quem as deixam brotar.