CHEIROS
Sempre tive o olfato muito aguçado. Vai ver que é por causa de minha estreita ligação com cachorros.
Sabe, quando vai chover, o cheiro de terra molhada sobe e invade minhas narinas. É um odor gostoso de terra que me dá vontade de sair lambendo ela.
Do meu quarto, nas madrugadas escuto o roncor do mar misturado com o cheiro de maresia. Afino as narinas e me embriago.
Mas, hoje, particularmente hoje, o cheiro que me vem, é outro. Sinto cheiro de morte. Prenúncio de tragédia. Antecipação da dor. Sinto cheiro de beneditas já passadas, cheiro de cortina descendo antes do final do espetáculo.
Sinto cheiro de saudade cortando a carne que já foi cantada em prosa e versos. O cheiro avisa...o sofrimento vai aumentar, se é que é possível dimensionar dor.
Na tentativa de escapar do derradeiro sopro de vida, tento cerrar as narinas, mas, em vão, pouco me resta.
Sou eu que exalo morte.