O Vento
Ontem a chuva veio acompanhada da ventania. Muitas pessoas estavam na rua e foram todas surpreendidas. Eu não me assustei. Pelo contrário: Me senti muito mais livre. Vi pessoas quase que sendo arrastadas do meu caminho. Parecia até que essa força natural estava apenas a meu favor, já que eu andava na mesma direção. Mas se eu ia ou vinha: Não sei.
Fiz questão de perambular até o final da rua, quando transformei tudo em lágrimas tempestivas. Ali, no meio da ventania, pude deixar as lágrimas correrem sem precisar de me esconder. Se alguém me encontrasse com a face molhada antes do fim, e achasse que eu estava precisando de ser encontrado e consolado, eu apenas diria: A poeira machuca meus olhos. E logo esse alguém iria embora com o vento.
Eu quis ser leve. Assim poderia ter ido embora com o vento. Mas carrego sempre lembranças muito pesadas, das quais não consigo me livrar. O vento, então, não pôde me levar a lugar algum. Mas, ao menos levou a todos e me deixou em relativa paz. Sinto-me tão seguro quando venta quanto uma rocha imensa. Apenas isso me consola: Ao menos a mim o vento não leva nem assusta.
Ontem, decidi levar a todos para longe de mim com o vento. E ventei.
Gostaria de saber ser seco também, pois o vento liberta, mas a água destrói. Também gostaria de ser leve o suficiente para ir bem longe daqui em um piscar de olhos, mas o peso da terra me fixa.
Talvez seja um erro acreditar no que o vento diz. Ele é sempre passageiro, e nunca condutor. Talvez seja um erro julgá-lo assim, pois ele só aparece quando bem entende.
O vento, quando vem, tem o poder de revirar a terra e mostrar o que já havia sido bem escondido e esquecido. O vento, em mim, remove a terra e, com isso, mostra novas lembranças e altera as velhas.
O vento altera quem somos.