Chovo
Em dias como hoje, depois de ter chovido por horas, acordar se torna algo difícil. Chovi bastante por fora e por dentro nas últimas horas, até quase esvaziar as nuvens.
Depois de chover, não entendo por que razão não quero mais comer nem me lavar. Parece que fico muito mais sujo quando chovo, e talvez goste de ficar sujo. Chover não me faz bem para a alma. Depois da chuva sempre escorrego na lama. Minhas lembranças, quando chovidas, não parecem mais tão mortas, nem mais tão belas. Elas mostram-se como vermes: Tornam-se vivas e me consomem por dentro. Agora, quase posso sentir meus cinco anos de idade se mexendo dentro de meus intestinos podres. Se não fosse pelo meu asco vital...
Choveu! E chovi com a chuva. Agora estou na lama formada nas areias do tempo. Meu passado, que já se pareceu com um castelo, só me parece agora com uma pocilga. Graças aos dias nublados e às noites chuvosas, tenho agora a perfeita noção de que não sou mais o que era, e que nem me tornei o que deveria. Se o tempo pode ser muito bem ilustrado com a metáfora de um rio, a vida mais se parece com a lama, que se deixa levar sempre deixando vestígios de sua passagem. O Tempo passa mas não leva tudo.
Quem dera levasse!