+HÁLITO DE DEUS.

HÁLITO DE DEUS.

Não me canso de avocar o tempo. Sua singularidade atormenta filósofos desde a antiguidade; sua pluralidade, igualmente maltrata pelas formas surpreendentes que nos deixam em "xeque-mate" diante de realidades que julgamos ter dominado. Atormentam e maltratam em suas formas positivas e negativas de sentir o mundo através do tempo: a vida e a morte, a juventude e a velhice, a crença e o desespero, deus e o diabo, o ano e o milênio, a lucidez e a dispersão, a dor e o prazer... Elementos materiais e comportamentais que se misturam na configuração subsidiária do tempo que buscamos.

A vida eterna é sempre o dilema da humanidade em todos os tempos. Alceu do Amoroso Lima nos ensina uma lógica interessante: num dos seus escritos ele mostra que o homem vence a morte apenas no sentido de que, mesmo sabendo que a morte é certa não deixa de AMAR A VIDA. A vida está diametralmente ligada ao tempo independente da nossa vontade. A construção desse espaço (tempo) dentro de nós teria que ser subjetiva diante das poucas condições que temos de nos dizer sendo dele, estando nele ou dele se utilizando nos parâmetros de existência simétrica, social, simbólica... Os poetas costumam dizer que o "tempo escorre pelas mãos". Gil Vicente nos diz que "A vida é um ai que mal soa!". Nós, modernos, nos escravizamos dele e o transformamos em moeda de troca, afinal, tempo é dinheiro.

Nos meus contextos de vida, há momentos que vejo Deus como se fosse um sentimento. Como sentimento geralmente faz o "link" Dele com o tempo, haja vista ser atemporal, onisciente, onipresente. Talvez quando dizemos ao amigo: "dê tempo ao tempo", queiramos dizer que entregue a Deus. O viés da bíblia quando, nos Sermões da Montanha, trata do Tempo de Plantar e de Colher é fantástico. Evidente que a metáfora bíblica transcende a razão imediata dos pobres mortais, mas não se pode deixar de ver a claridade com que os tempos acompanham nossa saga de pecadores.

Dia e noite nos parecem divisores do tempo, mas são a racionalidade da natureza nos dando lições de simplicidade. Os grandes mistérios da vida residem nas transformações que só o tempo conduz, mesmo sob nossa burla, como às vezes fazemos.

Nossa imaturidade desconhece que a paciência nos conduz ao sucesso diante da frieza da espera. Vigiar o tempo é, sem dúvidas, preocupante e desesperador. Talvez porque tomar conta do que não se vê seja tarefa ingrata, mas isto se reveste de outros valores coadjuvantes. O tempo passa por cima de nós e nos deixa marcas mesmo sem que percebamos - envelhecemos, ficamos de cabelos brancos e nesse bojo, alguns pacotes perversos: artrite, hipertensão, diabetes, vista curta, etc. De repente a gente se sente assim e pronto, pois não pudemos demarcar a linha divisória dos momentos em que nossos rostos migraram em outras fisionomias, mesmo permanecendo com o mesmo corpo.

Plásticas, Massagens corporais, academias de ginástica, SPA, lipoaspiração, pillings, dietas naturais, dietas do sol e da lua, modismos diversos, levam o atormentado homem moderno a ilusão de eternidade. Talvez Amoroso Lima tenha mesmo razão. A ilusão de viver eternamente é salutar, desde que ninguém se perca na irracionalidade antinatural da própria vida. O corpo tem limites, a vida tem limites, Tônia Carrero que nos diga. Há mulheres famosas por aí que, de tanta cirurgia plástica, trocaram o sorriso natural pelo de lagarto. Novamente o tempo se intromete com seus conceitos, pois a consciência da "Mente sã, corpo são" nem sempre acontece no mesmo diapasão.

Acredito mesmo que o tempo, na forma como concebemos, adveio da lógica do calendário Juliano que adotamos. Confesso que seria mesmo difícil viver sem o limite das horas para as nossas atividades cotidianas. Depreende-se como corolário a lógica de que estamos dentro do tempo tal qual a coca-cola que, antes de ser deglutida, está dentro da lata. A rigor, imagino que o tempo esteja por fora de nós sempre, mas depende da nossa capacidade de fazê-lo nosso, na sombra das horas... Afinal, quem sabe faz a hora não espera acontecer... E quando o "acontecer" se faz por si, certamente nós nos descuidamos da vigilância e do culto à sabedoria. Sendo o tempo um HÁLITO DE DEUS, temos que não descuidar dos seus sinais. "Tu vens, tu vens e eu já escuto teus sinais", nos lembra uma música de Alceu Valença. Bem sabemos que "muitos são os que ouvem e poucos os que escutam", pois o eterno se faz em si e Deus se faz e nós com o passaporte do tempo em nosso imaginário.

O poder transformador da vida tem sentido de mão dupla e não excetua a lógica estabelecida na chamada "lei do retorno". Talvez esteja aqui a gênese de tudo, donde nem tudo serve para se chegar ao Senhor, mas Ele de tudo faz para que aprendamos os caminhos da calma, da salvação e da solidariedade.