Confissão Poética

Numa tarde de sábado do ano de 1996, poetas e escritores catarinenses reuniram-se no apartamento de Hilta Teodoro Bencciveni, para a recitação de poesias, leitura de contos e crônicas. Era a reunião mensal da Associação dos Cronistas, Poetas e Contistas Catarinenses, sob o comando da Presidente Vilma Bayestorff (in memorian).

Aquela tarde foi o meu primeiro contato com essa Associação de escritores e escritoras e eu não havia levado nenhuma poesia, pois não sabia que era de praxe, após o encerramento das discussões sobre o encaminhamento das questões para o bom funcionamento da agremiação, que todos declamassem sua poesia, ou lessem seus contos ou crônicas.

Mas como muitas das minhas poesias estão musicadas, algumas estão fortemente gravadas em meu subconsciente, e foi então que lembrei de “Saudades”, a primeira que compus em Florianópolis, em 1978, após ter vindo do interior do Estado para estudar e me desenvolver na Capital. É uma poesia que já havia sido classificada num concurso nacional em Brasília-DF, em 1996, e que, naquele momento, refletia o estado de espírito em que me encontrava: só e tristonho.

Começou a recitação e muitos recitaram até chegar a minha vez. Eu estava muito acostumado a interpretar minhas poesias, cantando, acompanhado do meu violão, e que se tornava mais simples para mim. Seria a primeira vez que eu a recitaria. Recitei-a numa tonalidade morna e agitada, resultado do nervosismo que me envolvia naquele momento:

Saudades

Essa é a vida de solidão,

Essa que agita, que palpita,

Que mexe com o coração!

Essa é a vida de saudades,

Essa que cansa e ataranta,

Todas as noites, todas as tardes!

Onde buscar a alegria

Que falta, que se procura,

Não se encontra em qualquer gente.

E passatempo quase nada ajuda,

Não satisfaz completamente!

Fazer cessar a agonia

Que sufoca, que perturba,

Tentam-se alguns e outros caminhos.

Mas não existe criatura,

Que faça esquecer nossos ninhos!

Após todos recitarem, foi servido um saboroso coquetel pela anfitriã Hilta Teodoro, aposentada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, senhora muito alegre, divertida, bondosa e inteligente, e que, posteriormente, se tornaria muito minha amiga e aliada. Aproveitei a descontração para conversar e conhecer melhor as pessoas e todos procuraram me tratar com muita amizade e amabilidade, entre os quais a própria anfitriã, a Presidente Vilma Bayestorff, Zoraida H. Guimarães, Neli Barreto Dutra (in memoriam), Osmarina M. de Sousa, Augusto de Abreu, Dimas C. Waltrick (in memoriam) etc. Uma morena em especial me chamou a atenção, e foi com quem eu menos conversei naquele dia; mas a sua maneira delicada e simples de proceder e o seu sorriso aberto e franco me marcaram.

Outras reuniões se sucederam, outros lançamentos de livros também; entretanto o encontro com aquela morena de olhos de jabuticaba e que me havia despertado, sucedeu-se apenas no final daquele ano de 1996, no SESC do Estreito, mais precisamente no coquetel de lançamento do livro “Carta de Alforria”, de Nídia de Bem, na festa de fim de ano da Associação.

Após todos se congratularem e se despedirem ofertei carona a Nídia e à morena. Ambas aceitaram. Dirigimo-nos ao meu Corsa 1.6, que havia adquirido naquele ano, fruto de consórcio junto à Santa Fé Veículos. Deixei Nídia em seu apartamento, em Coqueiros, e perguntei à morena qual era o seu nome, e ela respondeu: -- “Maria do Carmo”. Eu pensei: -- puxa, ela tem nome de santa e da mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pelo menos de nome já é abençoada.

Em seguida, perguntei onde morava. Ela respondeu: – Na praia do Morro das Pedras. Eu continuei: – então somos vizinhos, pois eu moro na praia do Campeche. Vamos para lá!

Assim procedendo saímos de Coqueiros, pegamos a ponte Colombo Machado Salles, tomamos o rumo da Avenida Beiramar Norte, e, ao passarmos pelo Bar e Restaurante Scuna, localizado embaixo da ponte Hercílio Luz, eu pensei: hoje o tecladista Carlos Alberto Torquato de Oliveira, meu companheiro de apresentações musicais, está se apresentando no Scuna. Pensei em entrar para conhecer melhor a minha caroneira e conferir o trabalho do Beto, mas concluí que já estava um pouco “alto”, pois havia ingerido algumas cervejas a mais, e não era aconselhável chegar em mais nenhum bar.

Pisei fundo o acelerador, e os quatro pneus novos do Chevrolet zuniam no asfalto da Avenida Beiramar Norte em direção à Lagoa da Conceição, Morro das Pedras e Campeche. Quando atingimos o topo do morro da Lagoa, pensei: vou pedir um tempo para descansar, tomar um fôlego, para prosseguir na viagem. Já era madrugada de domingo. Ao passarmos pelo Hotel da Lagoa, encostei. Lá de cima do morro, o visual noturno era das lâmpadas acesas que se seguiam ao longo da Avenida das Rendeiras, em direção às praias Mole, Barra da Lagoa, Joaquina e do Campeche.

O momento era de extrema emoção; não falamos e naquele silêncio mudo apenas me enclinei a ela e, perante a madrugada de domingo, em comunhão com as estrelas e o luar, cuja luz refletia-se nas águas calmas e cristalinas da Lagoa da Conceição, meus lábios selaram os dela. Nessa comunhão e cumplicidade nossos corpos tremeram e eu senti que algo mais iria brotar daquela seiva que nos ligou, e que emana da energia divina.

Ao chegarmos em sua casa, na praia do Morro das Pedras, deparei-me com uma árvore poética no seu interior, árvore esta arquitetada por Maria do Carmo, em cujos galhos haviam poesias penduradas. Ela explicou-me que as poesias eram os frutos daquela árvore; passei a lê-las, à medida que as retirava dos respectivos galhos, e fizemos um sarau literário particular, único, tendo as estrelas e a lua como testemunhas.

Os dias se sucederam e, após um mês aproximadamente daquele encontro, Carminha me telefona. Meu coração bateu mais forte. Já era final de tarde. Pediu-me que eu a visitasse e não resisti ao seu convite. Era domingo e eu estava passeando com um dos filhos do meu primeiro casamento, Henrique Vicente, na praia de Jurerê Internacional. Ao final do passeio dirigimo-nos ao centro da cidade onde ele mora, e o deixei em sua residência. Em seguida rumei ao encontro de Carminha. Lá chegando, trocamos carinhos e afetos, nos abraçamos e nos beijamos. Mais tarde, fomos a um restaurante exótico ali mesmo na praia do Morro das Pedras. Foi um momento muito romântico e mágico, pois chovia muito e fomos recepcionados por um dos seus funcionários, com um guarda-sol, para proteger-nos do alto temporal que caía. O restaurante possuía decoração distinta, característica de árabe e indiano. Comemos pão árabe e nos servimos de chás.

No terceiro encontro lemos poesias da sua árvore poética e nos amamos. Um arco-íris enorme testemunhou este momento, sendo o sinal que confirmaria o início do nosso romance.

Após esse terceiro encontro os dias passaram-se muito rapidamente, e nós nos encontramos muitas vezes; amávamo-nos e fazíamos poesias e nessa atmosfera amorosa e harmoniosa é que, após 18 (dezoito) meses, Carminha engravidou. Após estes meses todos de namoro, de amor, de paixão e poesia, é que seria confirmada a gravidez no dia 10-6-1998, pelo protocolo nº 846.354-9 do Laboratório Biomédico, que acusava o resultado do exame de sangue Hormônio Gonadotrófico Coriônico (B-HCG): 512, positivo.

Desse momento em diante o amor nos uniu definitivamente e resolvemos dividir os aposentos de uma mesma residência e aguardar o nascimento deste filho, concebido em meio a muita poesia e amor.

A gravidez transcorreu dentro dos limites da normalidade e, no dia 27-1-1999, nascia André Frederico Antunes Fortes, cujo nome significa “viril mensageiro da paz”. O parto foi uma cesariana e assistido por mim; o médico foi o meu conterrâneo e ex-colega de aula do ensino fundamental, Dr. Luiz Paulo de Souza, que já havia demonstrado muita competência e dedicação no transcorrer da gravidez.

André Frederico nasceu bem moreno e peludinho. Atualmente está com 1 (um) ano e 2 (dois) meses e está mais para a cor dourada; se encontra muito esperto, inteligente, risonho e balbuciando as primeiras palavras; tudo quer saber e tocar, mexendo em tudo; está com muita saúde, é um neném muito querido, cativante, formoso e viçoso; neste momento está em pé entre minhas pernas, enquanto escrevo, mexendo nos trincos das gavetas da mesa; veste calça azul, botas pretas e camisa amarelo bebê; possui cílios longos e sobrancelhas bem delineadas; é todo fofo; seus cabelos são castanhos e encaracolados, combinando com a tez bronzeada de seu rosto. Ainda não consegue andar e engatinha sentado. Está se desenvolvendo perfeitamente bem e tem nos dado muita alegria.

Em virtude de tudo o que foi descrito, a minha união com Maria do Carmo Antunes deu-se em virtude da existência da poesia em nossas vidas, resultando no nascimento de André Frederico. Portanto, nosso filho é a nossa poesia viva; é, enfim, o nosso maior e mais belo soneto, o nosso melhor poema, a nossa mais linda composição poética!

“André Frederico: viril mensageiro da paz!”

Que o Amor Divino te ilumine em todos os passos da tua vida e a todos nós, familiares, escritores, poetas, artistas e a toda a humanidade!

Amém!