Saudade da Vovó
SAUDADE DA VOVÓ
Vovó trançava os cabelos,
depois enroscava a trança
num coque com enormes grampos de metal.
Parecia um anjo aureolado em prata... tão linda!
Cheirosa, bem vestida,
Vovó sentava-se na cadeira de balanço...
E balançava...
Balançou-se... até ficar bem velhinha...
Com as pernas entrevadas,
vovó ia trocando de cadeira,
sentava numa, tocava pra frente outra,
até chegar.
Às vezes,
era só para ver o feijão,
cheirando bom, no fogão a lenha!
À noite, vovó tomava chá de folhas de laranjeira.
Um dia ela deitou e não levantou mais sozinha.
Faltava-lhe o ar...
faltava muito ar em sua vida...
Fazia muito tempo...
Ela foi ficando fraca e branquinha...
Era verão...
mas a neve se multiplicava em seus cabelos.
Uma noite,
o anjo soprou a cabeceira da cama do hospital
e ela foi num só sopro para o céu.
Esqueceu a cadeira de balanço...
deixou pente e grampos...
sequer folhas de laranjeira ela levou para o chá.
Anjo, vovó se alça
e balança ao sabor das brisas
em todas as horas...
Pentear-se para quê?
Também... não deve sentir dor, nem falta de ar.
Ainda a vejo bela,
lúcida e saudável,
aureolada em tranças de prata,
no espelho intangível de minha saudade. Ieda Cunha Cavalheiro
São Gabriel, 11 de fevereiro de 1963.
Porto Alegre, 11/02/1999.