Kafka em Santa Catarina
Para conseguir um pequeno empréstimo, me obrigaram a hipotecar a fazenda. Milhas e milhas, alqueires e alqueires. Hipotequei.
Os fiscais começaram a chegar, moscas varejeiras. Vigiavam e vigiavam se eu iria vender qualquer coisa:
uma pá, uma picareta, o trator, a escavadeira, um boi. Nada mais era meu. Tudo pertencia ao banco.
_ Não gente, não vendi nem vou vender, dizia eu. E o enxame de moscas, ali presente.
Quando aparecia um fiscal, minha mulher obrigada a dar almoço. Ela cozinhava muito bem, eles lambiam os beiços. Em minha barriga, no forno do estômago um buraco crescia. No meu armário nunca mais que dois ternos, e olha lá. A partir do emprestimo, do meu bolso saiam pelo menos seis ternos por ano, para os fiscais, para não me delatarem no banco, inventando irregularidades inexistentes, ameaçando de me executar, fazendo-me perder as terras.
Paguei ao banco antes do prazo. No dia da última prestação, o gerente me chamou:
_ Você é nosso maior cliente. Pagou direitinho, selou seus compromissos antes do tempo. As portas do banco sempre estarão abertas para você. Respondi:
_ Entre essas grades coloque uma chapa de alumínio, tampe as gretas, nunca mais passo por esta porta, pode escrever.
Tive vontade contar dos fiscias. O gerente mesmo um deles, antes de galgar o cargo. Nada falei, apenas saí.
Logo depois vendi a fazenda e o gado. Tenho nenhuma saudade, e minha úlcera fechou.