Afora-aforismos
Ato I - De se anunciar na iminência
Cena 1 – A Imensa sentença
(Três atores devem calar)
HOMERO - Silêncio! Cadavérico, cadaver-se-á em versos.
Cena 2 – A empapada pomposa proposta
(Entra em cena o Rei Humberto III)
TORCEDOR RUBRO-NEGRO – Emanuel Humberto Atalarico, para desempenhar seu árduo papel, deves se apedantar, se glorificar, se agigantalhar, e etc..., por conseguinte, deve ultrajar os vizinhos, esbofetear a mulher, queimar dinheiro ensebado de suor perfunctorial, deve se sultanizar em sumptuosas roupas, se arrinitiar da poeirenta escória social, se ensotaquear de mon amour, se atirar em tiranias, e enfim, e etc., e és o tal.
(Afronta-se com o reflexo do não-eu sem entender o eu-não)
HUGO PAQUECK – Sumir-se-ão tuas faces: Humberto Atalarico. Serás mais brilhante que ouro e mais repugnante que bosta. Meu nobre Atalarico.
Cena 3 – Furúnculos Furosos Fazem
(Entra em cena Dentuçinho)
EMBUSTOS DOMECQ DOMADOR – Apenas ser. Entrar em contato com o cosmo. Em chama animalizar-se.
(Desliza a sombra cinzenta e sem massa cinzenta pelo tablado florestal)
TIRADENTES – Arranquemos esses, embotemos aqueles maiores. Prontinho!
(Analisa-se um rabo)
Cena 4 – O maravilhoso muro Shakespeariano
(Entra em cena A Bota e Dani Figura. Dani Figura prepara o cenário em azul-marinho e recorta A Bota em suas lateralidades)
A BOTA - La poltrona e pantofole sono i rest dell'uomo!
Não-Ato I – Luz, câmera, ação!
Cena 1 – Englobado o universo
(Entram em cena A Bota, Dentuço e o Rei Humberto III. Gesticulam e falam simultaneamente com o cuidado meticuloso de pronunciarem ao mesmo tempo o final das frases)
DENTUÇO - Não vamos perder tempo com discussões inúteis! Vamos fazer alguma coisa, não é todo dia que precisam de nós. Outros poderiam tratar o assunto tão bem, ou melhor, que nós. Esses gritos de socorros que ainda me reboam nos ouvidos foram dirigidos à humanidade inteira! Mas neste momento, neste lugar, a humanidade inteira se resume a nós. Queiramos ou não. Vamos fazer o melhor que pudermos, antes que seja tarde demais! Vamos representar com dignidade, pelo menos uma vez na vida, O papel que um destino cruel nos reservou. Que é que você me diz? É evidente também que, se ficarmos de braços cruzados e sem fazer nada, pesando os prós e contras, também faremos justiça à nossa condição. O tigre se precipita em socorro de seus congêneres. Sem a menor reflexão. Ou então, esconde-se no recesso mais fundo da floresta. Mas a questão não é essa! O que estamos fazendo aqui? Essa é a questão! E nessa imensa confusão, uma coisa é clara: O rato roeu.
REI HUMBERTO III - O que é mais nobre? Sofrer na alma as flechas da fortuna ultrajante ou pegar em armas contra um mar de dores pondo-lhes um fim? Morrer, dormir, nada mais. E pôr ponto final aos males do coração e aos mil acidentes naturais de que a carne é herdeira, num desenlace devotadamente desejado. Morrer! Dormir. Dormir, dormir, sonhar talvez. Mas aqui está o ponto de interrogação: no sono da morte que sonhos podem assaltar-nos uma vez fora da confusão da vida? É isso que nos obriga a refletir. É esse respeito que nos faz suportar por tanto tempo uma vida de agruras. Pois quem suportaria as chicotadas e o escárnio do tempo, as injustiças do opressor, as afrontas dos orgulhosos, a tortura do amor desprezado, as demoras da lei, a insolência do oficial e os pontapés que o paciente mérito recebe do incompetente quando o próprio poderia gozar da quietude dada pela ponta de um punhal? Quem tais fardos suportaria, preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante, a não pelo medo de algo depois da morte? Esse país desconhecido de cujos campos nenhum viajante retornou, e que nos baralha a vontade e nos faz suportar os males que temos, em vez de voar para o que não conhecemos? Assim a consciência nos faz a todos covardes. E assim as cores nascentes da resolução empalidecem perante o frouxo clarão do pensamento. E os planos de grande alcance e atualidade, por via desta perspectiva, perdem a roupa do rei.
A BOTA – Denomina-se: “A Constipação”. É assim: meu cunhado tinha do lado paterno, um primo alemão, cujo tio materno tinha um pai em segundo grau, cujo avô paterno tinha se casado em segundas núpcias com uma jovem indígena, cujo irmão tinha encontrado, numa de suas viagens, uma moça pela qual se apaixonou e com a qual teve um filho que se casou com uma farmacêutica intrépida que não era outra senão a sobrinha de um inspetor de quarteirão que a Marinha Britânica não conhecia e cujo pai adotivo tinha uma tia que falava correntemente o espanhol e que era talvez, uma das netas de um engenheiro que morreu jovem, sendo ele próprio neto de um proprietário de vinhas, que produzia um vinho ordinário, mas que tinha um sobrinho-neto caseiro, ajudante, cujo filho havia desposado uma mulher jovem e muito bonita, divorciada, cujo primeiro marido era filho de um patriota de Roma.
Cena 2 – Um solipsismo realista
(FIM).