Desejo de Estradas
Como aquele que se perdeu, eu queria te deixar uma estrada com mata florida ao redor. Com relevos de montanhas e flocos de nuvens pairando acima de todos. Céu quase azul, casinhas pintadas com cores de barro e crianças mexendo com argila no quintal.
Passando devagar a cada milha, o tempo pára para mim ou para qualquer um. È quase um desconforto a desaceleração motora de meus nervos à flor do abismo. São muitos encontros desconfortáveis em minha alma. Vou até o fim mesmo sabendo que recomeço a cada curva com uma diferença a se acomodar em meu organismo. Danças de diferenças num ritmo que nunca será o meu.
A cada traço passado ao asfalto quente, invade-me uma certeza de que a solidão é um grande ruído ancestral que me lança feito um toco de madeira às intempéries do caminho. Aquilo com o qual sofres é só teu; as palavras, no calor de uma conversa entre amigos, vão se espalhar em meio à entropia de tudo. A cada passo, um reflexo de dor de ter sido ou não.
Meu organismo não é o mesmo de ontem, todavia, meus afectos ainda são. Uma discrepância entre mundos tão colados, um só, cindido, causando furor ou irritação naquele que se auto-regenera como autômato, filho da obra do Divino. E eu procuro por esta intersecção. Eu procuro pelo Divino em cada aresta com a qual eu tropeço e arranco pedacinhos de pele de meu dedo no atrito perene do chão igualmente mutável.
Eu queria deixar-me uma estrada tão longa quanto minhas dúvidas. Deixo estradas para todos. È a única possibilidade de perda ganha, ganho de chão e de vida ressignificada ( não gosto desta palavra, mas serviu-me na falta de outra melhor) ( meu vocabulário se exigue, volto a grunhidos ancestrais plenos de significantes esvoaçantes, rima não proposital).
Desejo de estradas.