Ruínas Vermelhas

É verão de 1987, ou 88, ou 98, ou 2008. Na verdade a data não importa. O que importa é o que aconteceu, o porquê de ter acontecido e o como é agora.

Não consigo me lembrar da data, mas estou usando uma jaqueta de couro vermelho e apaixonado pela ideia de como ela pode brilhar se eu colocá-la contra o sol. Talvez esse tenha sido o meu problema. Talvez eu sempre tenha estado apaixonado com a ideia sobre coisas ou com a ideia sobre pessoas ao invés de estar apaixonado por coisas de verdade ou pessoas de verdade.

Então, estou vestindo minha jaqueta vermelha e tenho nove anos de idade. Tenho nove anos de idade, mas sinto como se tivesse quarenta, e estou tomando chá com meu pai. "Como você está?" Ele pergunta, e é aqui que eu aprendo a mentir. "Te amo." Ele diz, e é aqui que eu aprendo como as outras pessoas mentem. Observei-o tomar um gole e notei como o chá dele parecia diferente do meu. E seus olhos estavam sempre vermelhosvermelhosvermelhos.

Destruí minha jaqueta no verão seguinte. Destruí o conjunto de chá no verão depois dele. Destruí a mim mesmo oito verões depois daquele, e nesse verão eu a destruí. É uma pena que tenha destruído meu pai mil anos tarde demais.

É 2001, ou 2004, ou 2009. Não consigo me lembrar da data exata, e não consigo me lembrar de muitas coisas sobre qualquer que tenha sido o ano. O último verão. Já soa perto o bastante. Coisas ruins acontecem no verão e as pessoas mentem quando dizem que só ficam tristes quando o tempo fica frio.

O céu parecia estar como se devesse estar chovendo, mas não estava, e eu não conseguia respirar naquele ar estático. Acho que estava chorando, ou então com vontade de chorar, ou pensando que deveria estar chorando, mas provavemente não estava, porque eu nunca faço as coisas que deveria. "Coloque a jaqueta quando for sair", meu pai dizia de seu canto favorito contra a parede do escritório nos tempos de inverno. E eu não o ouvia, e, ah, ele não sabia como era maravilhoso quando o ar gelado batia contra a minha pele.

Então, no verão passado eu estava andando no meio da estrada e chorando e não-chorando, e naquele momento eu realmente desejei estar vestindo minha jaqueta vermelha que havia sido destruída anos atrás. Minha jaqueta no dia de hoje é preta, e eu sinto como se estivesse pegando fogo. Queimando através dos meus ossos e da minha pele e da minha roupa, e eu serei uma poça na calçada até que me evapore.

Marcela está andando atrás de mim, e eu estou prestes a destruí-la, e talvez ela vá ser a poça evaporante ao invés de mim, e eu sou um puta de um egoísta, porque é exatamente isso que eu quero. "Tenho que ir", é o que digo, e é aqui que eu aprendo que deitar no meio da rua e esperar pelo próximo carro que passe por cima é mais fácil do que falar. "Você precisa ir." Eu digo, e é aqui que eu aprendo que às vezes, você mente sem tentar fazê-lo.

É 1987, ou 88, ou 98, ou 2008, e eu tenho nove anos e minha jaqueta vermelha ainda não está destruída. Marcela não está destruída ainda, e eu não estou destruído, e se eu fosse capaz de voltar atrás, eu teria destruído meu pai antes. Sou egoísta e não faço o que devo e talvez eu pegue uma pneumonia e morra, mas ao menos não vá ser uma poça na calçada ou aquele que se afoga no fundo de uma xícara de chá cheia de rivotril.

Não consigo me lembrar da data, mas me lembro do rosto dele, e do rosto dela, e do meu rosto, quebrados no espelho. Do lado de fora deveria estar chovendo, mas não está, e há jaquetas vermelhas espalhadas por todo o chão.

Prisca Machado
Enviado por Prisca Machado em 12/02/2010
Código do texto: T2082862
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