O hoje e o eu
O hoje e o eu
Hoje, quando me levantei, não pude dar conta de que dia era, custou um pouco para que eu pudesse me sintonizar e me preparar para o trabalho. Eu tenho andado cansada ultimamente. Ao sair peguei minhas coisas com o peso de quem tinha muito a fazer e tinha consciência de que o dia é tão curto para que tudo seja concluído.
Dia-após-dia pendências amontoam-se e me confundem mais. Minha mente é como um computador que está um tanto ultrapassado, com falta de memória e agilidade. Há um lado menina que vive em mim e insiste em se dar bem, em trabalhar incessantemente, olhar ao redor e buscar soluções diversas, mas há um lado debilitado que se arrasta atrás do lado menina.
Às vezes tenho vontade de ter ajuda para realizar as coisas que necessito, mas ao mesmo tempo sei que o perfil de quem me ajudaria teria que ser de auxiliar mesmo, não de competitividade.
Eu tenho tido muita dificuldade de lidar com meu lado mãe dedicada e dona-de-casa, sinceramente, por mais que eu tente incorporar esses papéis, eles não se encaixam em mim. Então, um sentimento de culpa me persegue e sinto-me totalmente atordoada com ele.
Eu compreendo que estar na ativa, também é exercer esses papéis, mas eles me fazem mal. Há tantos papéis que me agradam, como: esposa, amiga, inclusive de meus filhos, profissional, sentimental, emocional, enfim... Porém, é óbvio que a vida é uma mescla do que se deseja e do que se tem que fazer.
No mesmo dia, muitos sentimentos fortes me invadem, como amor, dor, compaixão, vergonha, medo, irritação, confusão, vontade de seguir em frente, necessidade de ajudar alguém, responsabilidade pelos problemas alheios, sentimento de incapacidade, de impotência., raiva, paixão, libido, necessidade de proteger alguém, necessidade de ser protegida, sensação de ter falhado, necessidade de se fazer compreender e medo por não ser compreendida, medo de perder, medo do poder, anseio por ter as pessoas a minha volta e temo tanto perde-las.
Meu referencial de pai sempre foi confuso, mas havia algo que era ponto pacífico para mim, o meu pai era másculo, forte, protetor, mesmo com todos os seus defeitos isto era patente e me fazia bem. É tão desconfortante a esta altura da vida, descobrir outras falhas no sistema. Tentar entendê-las e amar incondicionalmente.
Eu não tenho dúvida de que este é o caminho, mas ele é bem difícil e doloroso. Uma imagem de tia forte, que hoje está tão fragilizada pela doença.
Uma mãe frágil e doente de quem sempre me orgulhei por tantas coisas, mas que a cada dia percebo o quanto é mais forte do que eu pensava, como pode suportar tamanho fardo tão sozinha.
O medo do oculto, o medo de ser negligente e o fato de não poder fazer perguntas aos filhos que poderiam elucidar tantas dúvidas, porém que traria a eles tantos traumas. O que fazer? É tão complexo viver...
Aos quarenta e dois anos você descobre que muito do que pensou ser a mais pura realizada, não passou de mentira, seu chão foge dos seus pés, mas você precisa ser coerente, já não é tempo de ter crises existenciais, é preciso desatar os nós e continuar a vida.
É mais ou menos assim que me sinto atualmente, o hoje e o eu, a inversão de papéis, o desmoronamento de supostas verdades, a importância de permanecer lúcida, de sair da situação e olhar-se como se tudo não se referisse a você...