O pensador, o café e o resto

Quero acordar medíocre,

Desse sonho culto e importante.

Quero rir das pessoas

Essas pessoas que têm nome, cargo e posse

E também das que, por opção, já não têm nome, nem cargo e nem posses

Quero zombar de quem sabe disso e daquilo,

E dos que não sabem disso,

e nem daquilo...

Quero rir. Quero rir de tudo quanto há de risível.

Das carências que tecem ideais (e vidas),

Do tédio que tece as artes,

Dos medos que tecem doutrinas e rebanhos

E das vaidades que mantém as carências, o tédio, os medos,

os ideais, os rebanhos... e as vidas.

Quero rir da ordem e do progresso,

Rir da evolução dos macacos e de seu fruto risível.

Rir dos cursos para ganhar dinheiro,

E dos discursos, para ganhar cargos e dinheiro

E também dos cursos para formar anjos e santos

E dos discursos, para formar e ganhar anjos e santos

Resta agora esse rir.

Pois que meu quarto – e minha vida –

Continuam sem ordem nem progresso

Pois que não ganhei o diploma fajuto,

De anjo nem de santo.

Não ganhei o certificado que confere o direito

De ensinar em escolas de anjos e santos,

A arte de tentar ser anjo ou santo,

Sem ser, entretanto, anjo nem santo...

Minhas emoções – e minhas finanças –

Seguem sem ordem, progresso ou evolução.

Mas hoje quero simplesmente estar aqui

Como mais um, e apenas isso.

Mais um homem de Rousseau, em minha bondade selvagem, e frustrada.

Mais um homo sapiens sapiens, no caos do que é pensar

E na dor do que é saber.

Mais um homo economicus, no caos do que é lutar e sobreviver,

Em uma sina comunitária – e frustrada.

Hoje basta esse café

Sem Schopenhauer, sem Beethoven.

Longe das escolas de Viena,

Deixem-me ser parisiense,

(mas daqueles que nunca leram Sartre e nunca viram um Renoir)

E tomar mon café em meio às banalidades dos passantes,

Ouvindo as barbaridades da TV ligada ali ao lado,

E vendo as moças (sem noção)

Que me lançam olhares (de segunda intenção),

No caos do que é serem tolas – e frustradas.

Hoje só quero esse café expresso.

Não quero ver refletido nele – no meu expresso – aqueles livros.

Quero só café.

Quero saber que gosto tem um café,

Quando nele não se vê os pensadores da Velha Europa

Quero engolir esse café.

Quero engolir essas xícaras, mesa, gente passando, bonés, cigarros, crianças infernizando, refrigerantes...

Acabo de ver: tudo está igual, tudo está aí.

Hoje,

Não to vendo livros em meu café

E ele me parece ter um gosto banal,

O mesmo gosto banal

De tudo quanto há,

Aqui e acolá...

Eron Levy
Enviado por Eron Levy em 05/02/2010
Código do texto: T2070246
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