[Clivagens... Intersecções de Mim]
"Faz sentido aqui o conceito da poética clássica, o thaumaston aristotélico, que significa o choque de surpresa, o arrebatamento que provoca a surpresa, que cliva a percepção, fazendo com que a mesma coisa seja percebida diferentemente." Ângela Almeida - "Estética do Sertão"
[Qualquer coisa a modo de CONSELHO, para mim, "é agouro"; sou cão de agosto, raivo – conselho, eu jogo no lixo mesmo!]
Falo de algumas prismáticas
visões do meu espanto:
espanto de estar vivo,
de ainda ver o mundo,
de escutar um nhambu piando
na tarde que cai sobre um cerradinho
que apenas o desinteresse dos homens
impediu que fosse destruído,
... e de chorar, assim, num sem saber que sabe tudo, mas não pode, ou não consegue dizer...
Eu e eu, eu contra mim: clivagens de percepções... fraturas de cristais em planos misteriosos e apenas meus, meus... Múltiplas intersecções de mim, interpolações mágicas que a minha razão nega... Mas, as minhas mãos não se recusam, contudo, a escrevê-las... Sob o comando de quê, de quem, atuam estas minhas mãos?
O que é a Física agora, nesta madrugada
sem deuses, sem luz, sem rumos?
Clivagens assim, ó:
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As pedras de areia trazidas nas enxurradas da grande avenida.
A mata, entardecida em sombras, a perpetuar os mistérios da cruz do suicida.
Os espaços primitivos, indomados, aqueles, onde era permitido aos grilos criquilar em paz os mistérios de criação e de morte.
O sol a pino sob a cisterna profunda onde meu olhar alucinava-se nos reflexos líquidos.
Os ventos eternais a soprar sobre os telhados quentes do sol do planalto, e a entortar, num desespero de rebentar, o fio de água da torneira do quintal.
A lua nua, no céu nu, tripudiando sobre os meus medos, criando fantasmagorias de sombras das árvores do meu quintal-de-ver-o-mundo, e fazendo clarão no zinco do telhadinho da privada de buraco.
O apito do trem sobre os altos da cidade que fica, e dorme... e eu vim de lá... mas vim mesmo? Duvido...
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Chancos, chanfros, mordidas de grandes nacos,
bocadas lacerantes de grandes carnívoros,
mordeduras de cobra grande, venenos:
clivagens da minha percepção!
Ainda criança, eu andei, e andei muito no sertão,
e agora, já velho, o sertão anda em mim!
É preciso parar - clivagem sim, aqui, agorinha;
pois isto só terá fim quando eu morrer...
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[Penas do Desterro, 04 de fevereiro de 2010]