[O Pranto que Molha um Deserto]

Acordei. Vim de uma região escura e inútil, um inferno, decerto, mas, de uma total ausência de paisagens — não voltei a minha Minas, não fui a parte alguma: estou é carente de sonhos! Meu repositório de sonhos — estaria vazio, seco, afinal? O que os longos e imaginosos olhos da mente não acharam, não viram, estes da vigília, banais que são, jamais alcançam! Estes se põem a estranhar os objetos da casa, a observar as luzes, a tomar as coisas apenas pelo que são, e não pelo que poderiam ser. Estes olhos são fotográficos, são desinteressantes, não transtornam sentidos - eu apenas vejo por necessidade de ver, coisa assim, animal. Mas talvez aquilo que vejo sem ver é que irá alimentar-me a imaginação, criar-me sonhos complexos... será? Desconfio apenas...

Pensamentos assim são sintomas do vazio, errâncias no deserto. Estende-se diante de mim este deserto onde as minhas lágrimas, se derramadas, se perderiam, inúteis, insignificantes, um nada de ser - Cartola tem razão: na solidão, o pranto molha o deserto, o pior dos desertos!

Mas minhas mãos não estão vazias. Elas têm alguma coisa presa na trama dos dedos e querem escrever. Impulso estranho este, e nem sou místico! Talvez seja exatamente este o meu problema: eu não sou místico, descreio de tudo. Crer... como pode alguém crer, isto mesmo, crer em alguma coisa? Sou conduzido pelo fio dos pensamentos, tênue fio entre cérebro e mãos... tênue? Será mesmo?!

E nisto, dou pelo fato de que estou a escrever, já não me sinto tão só, surgem miragens em meu deserto, e esta vontade de chorar não é mais tão escura. Tomei um copo de leite quente com chocolate puro, e agora, bebo um conhaque — combina bem! E agora, lembro-me daquela idéia, vinda talvez do século XIX, de que um copo de conhaque deve ser aquecido nas mãos perfumadas de uma bela mulher, junção inconsútil do aroma do conhaque ao perfume das mãos, a acender o desejo... Mas eu sou simples; meu desejo acende-se por bem menos que isto, e sem ter de me preocupar com marca do conhaque! As mãos dela... basta-me imaginá-las em meu rosto, meus cabelos, os seus olhos viajando nos meus, e...

Sem consolo, inútil noite, inúteis palavras! Este deserto não se vai assim, tão facilmente, a poder do engodo de palavras... agora, palavras são como papéis levados no redemoinho — perdi demais, demais; apanhei da vida até ficar tonto! E volta o choro... e o deserto não saí de mim. É isto mesmo: na solidão, a gente chora num deserto. Melhor assim, somem-se logo as lágrimas... Afinal, outro ano já montou a cavalo e galopa rápido, rápido como o vento... Ninguém, ninguém no mundo para me ouvir agora, quando eu mais precisava. Encontro-me apenas comigo mesmo, e acho o quê? Este deserto a sorver-me as lágrimas... Tornarei a dormir, quem sabe algum sonho suba à tona? Como sempre, só amanhã saberei.

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[Penas do Desterro, às 04h17 de 28 de janeiro de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 28/01/2010
Reeditado em 10/06/2012
Código do texto: T2055395
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