A ILHA
Estou longe de casa, perdido de amores. O toque fica impossível.
Somente a palavra e sua baba espumosa. Pampa de minhas desgarradas andanças... A tarde sumarenta de calor e verdes... Tenho em casa duas gatas amorosas. Felinas a todo o tempo. Andréa é a felina dos lençóis. Malhada, a de quatro patinhas que deita junto às teclas do computador e dorme sobre minhas fatigadas coxas. Ambas deitam comigo suas estridentes cócegas. Uma mia triste o pré-suicídio dos pelos quando cata suas pulgas. A outra ressona notívagos humores e tratos... Déia me conta que Malhada – faz dois dias – fica olhando o monitor do computador, e a coloca ao telefone, a ouvir o que conta a saudade em minha voz. Constata que a gatinha molha os olhos e se espanta com os chamados que lhe faço. Conta que não sabia que choravam, os gatos... É bem assim, pouco sabemos dos afetos, porém deglutimos diariamente o sabor dos venenos. Os filhos poderiam ser plácidos, ao menos em alguns rodeios crepusculares propícios aos afetos. Talvez pudessem curtir o ronroneio agradecido do mistério de se saberem vivos, talvez sem culpas. O volume de meus escombros sugere o poema próprio dos suicidas. E a baba dos signos e imagens me aperta a garganta amassando o choro...
– Do livro O AMAR É FÓSFORO, 2012.
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/2048545