[Paisagens dos meus Ouvidos]

Não quero nada. Nada. Exceto essa vontade de morte, nada me ocorre na teia da vontade, nada! Não consigo nem pensar em querer alguma coisa quando a tarde cai. É a luz cadente que faz isto comigo - anula-me as vontades - será? Essa juriti piando funduras na minha alma, faz parte dessa paisagem sonora. Mas... onde a juriti que não a vejo?! Olho para dentro de mim, do teatro da minha mente... e cadê ela?

Meu olhar atarraca-se aos troncos úmidos das árvores, e arrasta-se, sem tentar horizontes - obsessivo, vai até o topo das árvores. Meus olhos bebem, ansiosos, as gotas de água que a chuva deixou nas folhas. A evaporação lenta forma essa bruma por sobre as copas das árvores, e penso que o mundo poderia ser só brumas, e mais nada. Para que enxergar claro? Só para cometer mais barbaridades? A corrupção tem olhos limpos e claros, sem brumas – tem, teria, terá? Desguio... nada sei.

O canto dessas angolas que eu ouço agora, nesta hora lenta, também faz parte dessa paisagem fantástica; vige apenas nos meus ouvidos, não está ali, do outro lado daquelas árvores. Eu sempre ouvi vozes à beira das cachoeiras, sempre. Enquanto pescava, eu olhava as águas rápidas até o limite de querer me jogar na correnteza.

Então, a música... modinhas antigas embalavam-me os sentidos... de onde elas vinham... senão de algum lugar em meu cérebro?! E se repetiam, como um velho disco estragado, e afastavam o ímpeto de morte - só por isto, só por ouvir modinhas fantásticas à beira das cachoeiras é que estou vivo até hoje; vivo, e incomodando o mundo!

Ah, os meus ouvidos - essas paisagens sonoras! O silvo do vento nas palmas dos buritis... o açoite fino, sibilante da cauda dos cavalos, fustigando os mosquitos... zoada de marimbondos, fragor de enxurradas nas trilhas do cerrado. Ouço tudo isto, com nitidez, em hi-fi estéreo, como se dizia antigamente.

Se sou doido, então sou doido há muitos, muitos anos! Cuidado comigo: sou doido... e sou desconfiado, descreio da minha sombra, descreio de ti, descreio de mim!

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[Penas do Desterro, 23 de janeiro de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 23/01/2010
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T2047149
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