[O Mijo do Cão]

[Contando histórias, teço a minha vida;

mas e os pontos falsos do tecido?!]

Em frente de mim, ao longe,

o poente é um céu de chumbo;

aqui na mesa, mais uma cerveja,

e do outro lado da rua,

uma igreja-empresa cheia de crédulos —

o crédulo é, antes de mais nada,

um esperançoso, um tipo

que se borra de medo da Eternidade!

Ali, em frente, o meu carro.

Olho e estranho os pneus...

Vejo a borracha preta,

imagino de onde teria vindo,

"eras o quê, eras nada..."

Não dou a menor importância

às origens — será que não?! —

Mas eu penso no destino.

A borracha dos pneus faz parte

da desgraça destes tempos,

está ali para ser consumida!

[Um boi saiu da manada...

cachorro estranhou, mas esperou;

bati na tábua do pescoço do cavalo;

fiz nada também...

quem é esse boi... quem...

foi embora, juntou-se aos outros,

qualquer rumo é rumo para a morte;

ficaram os seus olhos grande nos meus.

E o boi era eu? Era? Boi mais erroso!

E os olhos que me olham, de quem são?]

Entardece, como sempre...

e, agora, um cachorro de rua

saiu do pátio da igreja;

nunca me disseram por que diabos

os cães de rua gostam de entrar

nas igrejas dos homens-cagões.

O cão veio, parou, olhou para o bar,

parecia indagar... queria saber —

quem era o idiota dono do carro?

E, calmamente, mijou na borracha preta

de um dos pneus do meu carro.

Queria gritar para ele:

sou eu, eu mesmo, o idiota!

Fiz nada... nada a fazer;

só olhar para a borracha preta

do pneu do meu carro... mijada.

E daí, e daí? Quem é que

vale mais que o mijo do cão, quem?

[Olha só: eu não sou sublime?!]

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[Penas do Desterro, 22 de janeiro de 2010]

[Para MHS... Movimento Harmônico Simples?

não, claro que não - é para a amiga

Maria Helena Sleutjes - fui claro?!]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 22/01/2010
Reeditado em 10/07/2012
Código do texto: T2045563
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