Cristaleira
É cedo. A letra gorda toma assento e soma no papel. Quero transgredir o fato. Quero sair da cristaleira. Sensação de pássaro. O que? Sensação de pássaro.
Novamente Berenice infiltra-se em campos lúgubres. Desta vez outras mulheres se fazem presentes. Aguarda mesa de bilhar. Ops! Subitamente lembra: seu pai foo dono de mesas assim.
Pra beber, vinho tabelado no copo do amigo-pouco-quase. Sente-se só, mas por que? Esta é sua condição. Inconscientemente optara: não via meio de mudar.
Conversas em gravidade, assuntos multicores, desbotados, cavados, rubros. Bobagens?
Ela ouve zunzum, trechos entrecortados de bolhas. Sua pele coberta, sua culpa de boa-menina - xiiii! Cala-te! Quer. Amanhã é o dia da renúncia...
Odeia o cigarro que fuma, quase com prazer. Não quer pensar no sente-se assim ou seja como for. Quer algo que não está ali. Estaria perto de descobrir?
Bonito ver acontecer o que acontece. Outrora mal percebia, estava enfiada em seus cordéis de sonho; castos, preguiçosos do mundo. Vibrava em seu universo mítico. Hoje está disposta a viver. Tira do bolso um papel que recebera de Lia, velha amiga:
Amiga:
Não sou mais menina, repeti a mesma faixa do disco tantas vezes; hoje ultrapassado, relíquia aos saudosistas incuráveis, azedou na prateleira marcada pelos cupins. Insisto na penumbra? Meu gesto apoteótico, carcomido pelo tempo e uso, cede lugar à esperança franca, quando beirava o desespero.
Hoje plácidos dias não me afligem como outrora. É a vez de pensar vivendo, não mais morrer pensando.
Lia.
Berenice amassa o papel e o coloca no bolso sem coragem de jogá-lo fora. Volta para a mesa de bilhar. Um dia sairá, não hoje.