[Fotografia de uma Felicidade]
... e ainda caminhando por aquela rua triste dos meus dias em Penas do Desterro, vejo aquele taxista do outro lado da rua. Ele não sabe, não percebe que eu, do lado de cá, o observo já há uns cinco minutos.
E lá está ele, magro, cerca de 1,70m de altura, vestido com a cuidadosa simplicidade de quem sabe bem que trabalha com o público, cabelos pretos, bem penteados, sapatos limpos. Enquanto espera o próximo cliente aparecer, com uma flanela, ele limpa o seu carro [já limpo, mas o que fazer?!] com esmero, mas sem afetação. Seus movimentos, sua figura se harmonizam com essa música dos anos 50 que ele assovia efusivamente - como pode, se sua idade regula uns 40 anos apenas?! Tudo nele é graça, é como se ele estivesse a viver um momento de felicidade, de prazer até, eu diria.
Se ele me visse, certamente a cena que ele representa para si mesmo, se desmancharia, e ele, tenho certeza de sua cordialidade, me diria: "bom dia!" Para não perturbá-lo, retomo, em silêncio e discrição, a caminhada dos meus pesadumes pelas ruas deste bairro ainda sonolento. Será que fotografei, com os meus olhos, uma felicidade? Existe, é fotografável a felicidade?! Eu mal sei sorrir...
Lá adiante, há uma cerca-viva de hibiscos vermelhos: o que eu pensarei quando alcançá-la? Que idéias surgirão, içadas pelos hibiscos, do fundo escuro de mim? Que seres me aguardam lá? Ouço meus passos na calçada e digo: não sei... só indo lá! Pode ser que nada aconteça, o nada é muito mais useiro e vezeiro de acontecer do que a gente pensa — a vida, o que é?! A surpresa é existir gentes, coisas -, a [inútil, mas necessária!] Metafísica já perguntou antes de mim, por que há seres em vez de, propriamente, Nada?!
[... e o meu Rio Paranaíba, tão grande, tão grande, não mais comparece em meus sonhos - agora é nada também? Será?]
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[Penas do Desterro, 15 de janeiro de 2010]