Paulatinamente
Eis-me à beira da estrada, co'a cúia reluzindo.
Se de lata, de zinco, de prata? Não sei. Sou homem, e homens vem à tona, nas zonas mais medíocres da vida, nas vidas mais mortas da seca. Dê-me um pão, moço. Dê-me algo, que eu venho assim há dias: faminto, aos acessos, louco por vida, louco em minha própria desventura. Eis-me à beira da cova... PAULATINAMENTE.
Paulatinamente eu me escondo do mundo, paulatinamente eu escrevo poemas. De vez em vez, vez em quando, nas vezes mais explícitas eu me levanto, ou melhor, levanto a cabeça à procura de uma sombra. É muita seca, meu senhor. Há muita morte nesse cerrado. Há cactos para almoçar, insetos para sobremesa, chuva rara para abastecer o açude que me mata a sede.
Há inflação do outro lado. Recessões, crises, quedas nas bolsas...
Quem me dera uma bolsa de pão. Quem me dera esquivar-me da realidade impura da vida, isolando-me em meus próprios pensamentos, indo ao encontro de Deus e longe das interpretações ridículas que me apresentam, que atrelam ao que digo. Quem me dera a vida fosse um sucesso nas entrelinhas, acalmando os nervos, distorcendo os erros, reanimando os ânimos, alimentando minh'alma.
Eis-me aí, na tua sala, ao teu lado, no teu consciente, revelando, aplacando, pedinte e coadjuvante...
Paulatinamente.