País Das Alices

Escrevo a mão depois de longo tempo de abdicação da tinta esferográfica. Tinha tentado martelar meus dedos nas teclas da insípida retangular máquina de borrar escritas, mas meu piano está demasiadamente velho e força-me a soar notas erráticas, transluzidas em versos poéticos de partituras escritas de forma um tanto etílica.

Terei que desistir e dedilhar cordas antigas de uma guitarra assombrada.

Desdenho os limites do rio e em igual ressonância desenho sobre a superfície minha própria existência esférica ao qual é mundano e ilícito.Giro em torno deste prisma maligno e envolto de paixões, lutas e sombreiros fatídicos. Exponho a impureza de minha raça e as dúvidas de meus pais. Até aqui mesmo nesta condição em que me encontro percebo com o tempo e reflexão, este bastardo órfão país de Alices, renegado a mentiras, amores enganosos, feitos medíocres e celebrações de fome e morte em fórmulas automobilísticas ou em guetos de indigentes.

Ninguém se entende no país das Alices!

Este é o bom pastor, o que entrou na relva antes do ócio e da maldade paraplégica, que saboreou o fruto bendito das mulheres insanas e de estaturas fantásticas. Enganou sempre serpentes por sua pele seca e vil. Desafiou os anjos do céu e do inferno em nome e `a serviço de seu único e verdadeiro orgulho: o agnóstico feiticeiro do real e absoluto.

Os justos herdarão a Terra e os profetas as profundezas do infinito.

Mas eu peço que me deixe aqui plantado de sementes de gentis, não me leve a sério, e me cerque de burgueses e brutas criaturas que tenho certeza sobreviverão ao nada, pois nada o são e nada sempre seremos. Suas jóias e seus orgasmos fingidos, suas risadas e operetas infames, suas religiões sarcásticas, profanas e masoquistas, suas hierarquias andróginas e anacrônicas, e é claro antes de mais nada não esqueceremos de seus coitos apavorantes. Como a peste, os ratos e insetos de borrões cor marrom, os são de injúria destino fatal os herdeiros do próximo milênio.

Um viva `as bestas então.

Quanto a mim, deixe-me aqui onde virtude alguma poderá me dominar ou preencher-me. Deixe-me aqui, bem aqui, sepultado vivo e atroz, junto a meus cadáveres de fé!

(1994)