Interlúdio & Perfídia

Um dia eu vim de longe para esta distância. Aqui os pássaros estavam sempre dispostos a tecer meu sossego. Mas amanheceu outro dia, este cheio de ruídos. Aniquilaram a paisagem: foi tanto desperdício de sombra que tive febre.

- Sim. Desde então acordas atordoado, da janela do quarto miras uns restos de verde te fitando com angustia.

Na gratuidade do gesto o machado come o orgulho do cedro. Da engrenagem – escancara os dentes, então me deito para este vôo fundo (despencando) eu sobre o que dói em mim.

- lá fora incandesce o sol na pele nua do solo: és tu entre as criaturas desalojadas e busca refúgio em oco de lugar nenhum.

Quem vive bêbado de ternura não tem visão anterior ao estrago. E o câncer dos famintos por ouro (em silêncio) deita raízes sob teu coração.

- No entanto é inominável essa tua dor e teu deus tem índole luciferina: ri da tua mágoa pelos lábios de uma máscara.

As vozes de minha perplexidade batem-se-me em perguntas:

•Quem são esses devorando teu Xangri-lá?

•Quem te cospe para fora do idílio, senão, do sangue?

•Que é essa ardência como se formigas me roessem os ossos?

- Sou avesso a claridade: o amor é essa singeleza cheia de aflição. Não vês que vive em equívocos? A verdade só se sustenta sob a face que te apresento.

Estou girando, girando e girando responda-me: “escriturar a herança do que resta parece-me justo, mas a rubrica, a quantas mãos?”