[A Paisagem que me Devora]
Naquele tempo,
o mundo já era bem grande,
e eu, que se morresse nem falta fazia,
para me distrair, seguia os rastos que as aves
deixavam na poeira da estrada,
até o ponto de partida do vôo;
assim, do nada, eu tinha o tempo!
Dali em diante, eu não sei por que,
decerto para soltar a mente nos sonhos,
eu fazia uma varinha seca trepidar no chão duro.
Pensava então na decolagem dos pássaros...
Para onde iam os pássaros?
E na trepidação da varinha seca,
a minha mão triscava os meus sonhos
na poeira dos caminhos — e para quê?
Naquele tempo,
a paisagem já era vasta,
mas eu não tinha olhos bastantes
para o pertencimento geral das coisas,
eu não sabia que o mundo era mau,
eu não sabia projetar fortalezas,
eu não tinha estratégias —
que inimigos, que inimigos?!
Eu só tinha sonhos, muitos sonhos;
e só queria ter o ponto de vista
dos pássaros quando,
num certo ponto da trilha,
alçavam o seu vôo sobre a paisagem.
Naquele tempo,
eu era um nada, um inseto,
e a paisagem me tragava,
me consumia nos meus sonhos.
Era um tempo em que se esperava
eu desse conta de fazer uma nova arte;
agora, chegou um tempo de desate,
um tempo em que as artes que sei
estão a ser desaprendidas, perdidas
pela exaustão que os anos trazem.
Agora, a paisagem é uma ameaça,
e eu estou desarmado, peito nu,
e os pássaros somem no vento;
agora, a paisagem me devora...
[Penas do Desterro, 11 de janeiro de 2010]