[A Paisagem que me Devora]

Naquele tempo,

o mundo já era bem grande,

e eu, que se morresse nem falta fazia,

para me distrair, seguia os rastos que as aves

deixavam na poeira da estrada,

até o ponto de partida do vôo;

assim, do nada, eu tinha o tempo!

Dali em diante, eu não sei por que,

decerto para soltar a mente nos sonhos,

eu fazia uma varinha seca trepidar no chão duro.

Pensava então na decolagem dos pássaros...

Para onde iam os pássaros?

E na trepidação da varinha seca,

a minha mão triscava os meus sonhos

na poeira dos caminhos — e para quê?

Naquele tempo,

a paisagem já era vasta,

mas eu não tinha olhos bastantes

para o pertencimento geral das coisas,

eu não sabia que o mundo era mau,

eu não sabia projetar fortalezas,

eu não tinha estratégias —

que inimigos, que inimigos?!

Eu só tinha sonhos, muitos sonhos;

e só queria ter o ponto de vista

dos pássaros quando,

num certo ponto da trilha,

alçavam o seu vôo sobre a paisagem.

Naquele tempo,

eu era um nada, um inseto,

e a paisagem me tragava,

me consumia nos meus sonhos.

Era um tempo em que se esperava

eu desse conta de fazer uma nova arte;

agora, chegou um tempo de desate,

um tempo em que as artes que sei

estão a ser desaprendidas, perdidas

pela exaustão que os anos trazem.

Agora, a paisagem é uma ameaça,

e eu estou desarmado, peito nu,

e os pássaros somem no vento;

agora, a paisagem me devora...

[Penas do Desterro, 11 de janeiro de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 11/01/2010
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T2022760
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