E o mundo sumiu
Foram viver na França, a bebê, a mãe e o pai. Moravam na construção antiga, espécie de casa de caseiro, nos fundos do grande jardim de Camile, a dona da propriedade. Dois quartos, a cozinha com fogão à lenha fazendo às vezes de salão. Dois pavimentos e uma escada, janelas abertas para o campo. Quando fechadas, azuis.
No inverno se aconchegavam em casa. Em outras estações, compartilhavam o jardim com Camile. Bichos de hibernar não eram, saíam na neve, caminhar nos bosques, conhecer cidadezinhas perto de Montiny. O mundo que a bebê conhecia, carregada por papai ou mamãe num canguru. Os amigos dos pais, a horda de jovens barulhentos de todos os lugares do mundo.
Papai cantava para ela:
Gorda, baleia
saco de areia
E ela morria de rir.
Chegou a hora de voltar. A bebê fizera um ano. Ao ver sua mãe jogar seu mundo para dentro de caixas e malas, tentava se defender arrancando de volta o que desaparecia, sem conseguir. Mamãe era mil vezes maior e muito, muito esperta.
Quando papai voltou para casa, o mundo engolido, a pequena era dois olhos enormes e assustados. No avião se agarrou ao pai, zangada com mamãe, a bruxa que a roubou de todos seus bens.
No aeroporto, depois de uma eternidade trancafiada na nave, seres estranhos a agarraram, uma avó desesperada pra amassá-la, um avô com vozeirão de barulhão, beijando suas bochechas.
No carro de porta-malas lotado, a bebê no colo da vovó. Na casa dos avós os pais abriram as malas, mas a maior parte das coisas, despachadas. Não estavam ali.
O dia mais estranho daquele início de vida. Gente entrando e saindo, e ela, o ser mais importante. A pequena se defendeu agarrando mamãe e papai.
No dia seguinte, após a noite de sono, e porque na criança tudo é fresquinho, ela andou pelos cômodos da casa grande, sentiu os cheiros e luminosidades, sorrisos amorosos, vozes que a acompanhavam: um universo do bem.
Ao se sentir segura correu e correu em grandes berros de alegria: um outro planeta, todo desconhecido, menos os pais.
Demorou uns dias para ela ir deixando a estranheza do novo mundo. No final, todos sobrevivemos.