BERÇO DO INFERNO

Nasci no inferno. E não falo de uma cidade de demônios ou de um reino negro. Digo, nasci de mim mesmo. Nasci de mim e para mim. Pois penso que é um inferno, uma tortura para as compreensões quando garanto que nasci de mim. Mas não é preciso saber tanto sobre isso, embora eu conheça que os humanos são ávidos por compreender as origens. Mas que lhes importa tanto conhecimento? Acaso suportarão a si mesmos diante da noção de magnitude incomensurável daquilo que é para além de suas razões? Mal conseguem esses teimosos, administrar com sabedoria o que já dominam! Não sou Deus apenas porque escolhi ser Deus, mas porque era inevitável que eu fosse. O inevitável e minha escolha são uma só e mesma coisa. E ninguém mais poderia sê-lo. E andaram argumentando que me escondo por detrás do mistério. Tolo engano. A estes afirmo: sou o Mistério.

Se quiserem me conhecer, visitem os artistas. Estes denotam muito de mim, já que significam muito de si mesmos em suas obras. Estas são uma senda importante para aqueles corações duros, de pouca sensibilidade, pois podem provocar-lhes algum elevado sentimento. E não pensem que sem sentimento acercarão-se do Mistério. Também são importantes, pois, as obras, para aqueles seus admiradores que já tem em si o galardão do esforço pela contemplação da beleza, porque estes podem, por intermédio daqueles, erguerem-se ainda mais em seus felizes conceitos. E não pensem que sem subjetividade alcançarão alguma imagem do Segredo.

Ouçam Wagner e Mozart. Leiam Baudelaire e Goethe. Contemplem Cézanne e Picasso. Visitem as ruínas de Atenas. Estes, apenas para citar alguma fonte para saciar vossas sedes. Essa mina que é uma entre muitas outras a que cravelha insinua.

Estarei sempre em algum lugar de vossos horizontes. Nunca me é demais escapar-me no desenrolar d’alguma poesia emergida d’uma alma caprichosa. Para me ver basta me olhar com o espírito. Mas porque poucos me olham, quase sempre estou oculto. Mas as portas estão abertas no ar. Ar que faz respirar vossos corações. Corações muitas vezes inchados de dúvidas mal pesadas.

Valêntulus
Enviado por Valêntulus em 01/01/2010
Código do texto: T2006090
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