Assento 18D

- Passageiro do assento 18D, favor identificar-se.Levantei a mão e olhei para meus acompanhantes ao lado. O passageiro à minha esquerda logo me avisou do prêmio, “livro de receitas”, disse ele.

Sorri e disse para minha irmã que era uma dos passageiros da minha fileira:

- Seria maravilhoso se fosse uma viagem.Creio ter dito isso, porém em meus pensamentos mais íntimos soltei um suspiro de pura gratidão pela “sorte” que está sempre a meu favor.

Qualquer lampejo, por menor que seja em minha vida sinto o sopro suave da sempre bem vinda “sorte”.

Na medida em que passam os minutos daquele sorteio fico pensando e dialogando com o livro que estou lendo sobre o real significado dessa palavra.

Peguei o marcador de texto e escrevi no verso “falar sobre a sorte”.

Há anos venho lutando contra essa palavra, pode parecer bobagem para muitos e até motivo de muita busca para outros.

Num milésimo de segundo e diante de tão simples acontecimento assumo enfim, que tenho sorte e que ela não mais é um fardo a carregar com vergonha, mas uma companheira inseparável.

Recolho no meu baú de lembranças a presença marcante dessa companheira que prefiro chamar de benção. Às vezes me avista num simples encontro casual com alguém, que me traz um conhecimento, na hora em que chego em casa e logo depois desaba a chuva, numa fila que demora e enquanto lá estou obtenho informações preciosas, nas pessoas que estão à minha volta, na sua saúde e na minha é claro, por tantas coisas que poderia gastar o dia sem chance de vê-las enumeradas na sua totalidade.

Lembro sempre de escutar e com muito desagrado:

-“ Ela tem muita sorte”. Aquela altura soava como uma maneira de me desqualificar , de diminuir meu valor como ser humano. E quanto mais assim falava, mais ela de mim se aproximava.

A cada episódio, por mínimo que fosse um agradecimento sincero pela condução das coisas. Se algo não sai a contento costumo me aborrecer muito, mas logo a vozinha íntima me alerta:

_ “Pare, olhe toda a situação, mais uma vez estou aqui, observe à sua volta e espere a resposta que logo virá”. Então obedeço , muitas vezes sinto até grande alívio por supostas perdas, logo, logo elas se revelam em ganhos.

Tantos anos lutando com o estigma da sortuda, com muita vergonha até, e num lance de sorte finalmente assumo: Sou realmente muito abençoada pela sorte.

Tercia Medrado
Enviado por Tercia Medrado em 20/12/2009
Reeditado em 16/04/2010
Código do texto: T1986908
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