Boneca de Papel
Uma vez, antes de sair para trabalhar, você me disse que minha pele era muito branca e que meus olhos eram tristes demais. Disse que a escuridão do meu uniforme não me favorecia. Disse que eu deveria vestir outras cores além de preto.
Fui pra escola naquele dia e tirei uma faca do meu estojo, arrastando-a no branco da minha coxa, olhando enquanto o escarlate rompia a superfície.
Te liguei no intervalo da aula e disse,
"Você provavelmente vai ficar orgulhoso, estou vestindo vermelho hoje."
Acho que você sorriu, mas soou quase como um soluço.
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Havia algo de belo sobre a chuva, e nos dias tempestuosos você sempre me abraçava no sofá e fazia cachinhos nos meus cabelos com seus dedos.
Às vezes eu sentia gotas molhadas na minha bochecha, e te dizia que talvez você devesse checar o teto, porque estava vazando.
Me levou oito vezes para perceber que não eram gotas de chuva, mas lágrimas.
Na próxima vez que choveu fiquei do lado de fora da casa e sentei na garagem, deixando que a água do céu saturasse minha camisa e me encharcasse até os ossos.
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Você me ensinou muitas palavras grandes, como 'quintessencial', 'supérfluo' e 'agorafobia'.
Um dia eu decidi que estava um pouco agorafóbica, porque todas as vezes que não estava ao seu lado eu era uma pilha de nervos.
Mas talvez fosse apenas aquele negócio de 'amor', e não mais um transtorno de ansiedade.
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As histórias que você me contava eram todas muito promissoras, sobre meninas com bochechas rosadas e lábios ovais. Você as chamava de bonecas de papel.
Porém, ao fim de cada uma delas, a menina-boneca-de-papel nunca encontrava seu príncipe, e seu coração tremeluzia e se esvaía como uma lâmpada queimada.
"Sou sua boneca de papel?" perguntei uma vez, observando enquanto você mordia seus lábios rachados. Tenho quase certeza que foi nesta hora em que você começou a desmoronar.
"Só se quiser ser.", você disse com uma voz esganiçada, e soltou a minha mão que estava segurando.
Um suspiro me deixou. "Não quero, porque o que quero é encontrá-lo."
"Você devia ter começado a procurar há muito tempo atrás, então."
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Um dia após você ter ido, fiz uma cadeia de bonecas de papel e escrevi 'eu' em cada uma delas.
Minha intenção era mandá-las para você, mas esqueci. Ainda hoje elas estão no canto da minha mesa, criando poeira ao lado do meu vaso de tulipas mortas.
Eu não saberia para onde enviá-las, de qualquer modo.
Porque eu nunca te encontrei de verdade.