Ritual II
Eles diziam que meu espírito vagaria eternamente. Queria entender. Nunca descansaria.
Era como se eu tivesse feito um pacto com o demônio. Um pacto que eu não havia feito, mas que estava selado.
Minha infância não foi de fadas, foi de demônios, não foi de brincadeiras, foi de exorcismos.
Eu já estava definitivamente unida ao que eu não queria e me horrorizava. Era muito irremediável da forma que colocavam. Era criança e tinha medo. Não entendia porque não terem molhado minha cabeça quando nasci, fazia-me ser discípula de satanás.
Havia dois mundos: o dos deuses e o dos demônios, e eles se cruzavam e se envolviam como um homem e uma mulher, sendo ambos a terceira coisa, a única. Era sensual.
Os demônios riam, cantavam, dançavam e alegravam-se. Amavam.
Os deuses choravam, gritavam, entristeciam-se, enfureciam-se. Odiavam.
Os deuses deitavam-se sobre os demônios até acamá-los. Quando os deuses possuíam a possessão demoníaca, era o êxtase.
Os demônios eram doces e os deuses eram amargos. Os deuses eram inatingíveis, e era preciso tocá-los para me salvar, mas eles eram intocáveis e não havia saída.
Os demônios eram fáceis e dóceis. Estavam à mão, e mais à mão de quem, se não de mim que tinha o pacto? Mas eu queria salvar-me. Não sabia do que, nem porque, mas precisava escapar. Como escaparia de demônios para alcançar deuses? E deuses intocáveis?
-Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma, dando ao demônio meu corpo e a Deus minha alma.